Por onde começar? Pelos anos nos EUA, em que se dedicou à investigação. Elegeu o cérebro como área de intervenção privilegiada, que o iria acompanhar toda a vida, fosse no laboratório ou na prática cirúrgica, em que se especializou.
Filho de um médico, integra uma família ilustre que conta com outros médicos, e entre outros, com o escritor António Lobo Antunes. Licenciado em Medicina em 1968, três anos depois João vai para os EUA com uma bolsa. O destino era o Departamento de Neurocirurgia da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, por onde permaneceria durante 13 anos, chegando a ser nomeado professor associado daquela disciplina.
Em 1984 regressava a Lisboa, no início de uma nova era para a ciência portuguesa, que então contou com um forte impulso de investimento e com o retorno de alguns cientistas de renome para a fundação de alguns centros de excelência, de forte tendência experimental. Doutorou-se e começou então a carreira de professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Mas é evidente que este é apenas um curto resumo de uma carreira que Lobo Antunes tentou recordar numa última lição, a 3 de Junho, exactamente na véspera de completar 70 anos de idade. O neurocirurgião dissertou sobre a medicina, a sua ciência, ou arte, como gosta de se lhe referir: «É as duas coisas – é uma arte prática baseada em ciência. Sempre assim foi», diz, numa curta entrevista por email ao SOL. Mas também se ocupou da família, que apresentou numa árvore, não genealógica, mas genética, com os médicos assinalados a vermelho.
Teve a oportunidade de privar, em Columbia, com alguns nomes ilustres da medicina e da neurociência em particular. Refere «sobretudo os mestres que me ensinaram o ofício e aqueles que me iniciaram na investigação científica». Houston Merritt era um deles, e teve uma palavra de homenagem de Lobo Antunes nesta última lição. O professor assinala, ainda, o avanço que a sua disciplina teve exactamente nos anos em que a aprendeu e exerceu, um «extraordinário desenvolvimento tecnológico, particularmente na área da imagem, que permite o diagnóstico mais preciso de várias patologias».
Outro louvor foi para a educação liberal que diz que o encaminhou na direcção da humildade, do saber escutar e de se expressar com clareza. Traços evidenciados na escrita, em livros que apresentam o seu ofício ou voam noutras direcções, como a vida do único Nobel português na área das ciências, em Egas Moniz – Uma Biografia.
Esta filosofia deve-se, diz, «em parte» ao tempo passado em terras norte-americanas, mas também à «influência dos mestres que tive e a enorme liberdade em escolher o meu caminho». Quando regressou a Lisboa, quis, logicamente, estender essa influência à academia portuguesa, que tinha «grandes carências», como testemunhou noutra entrevista. Na formação de neurocirurgiões na Faculdade de Medicina confessa ter posto em prática «o modelo americano de treino».
Nesta aula derradeira Lobo Antunes contou com a presença de personalidades de diversos quadrantes. Do Presidente da República recebeu a Ordem Militar de Sant’Iago de Espada, que distingue o mérito literário, científico e artístico. Recorde-se que o neurocirurgião foi mandatário da campanha de Cavaco Silva à Presidência e, antes, de Jorge Sampaio (cujo mandato foi exercido entre 1996 e 2006).
Resta agora um futuro que ainda deverá incluir alguma literatura – ensaística, como sempre desenvolveu –, entre a provável tradução e adaptação da biografia de Egas Moniz para o inglês e umas memórias, uma intenção que Lobo Antunes já tinha desvelado há alguns anos, em entrevista ao SOL.
E, é claro, continua a haver espaço para a neurocirurgia, a tal arte prática baseada em ciência, que continuará a exercer «enquanto o cérebro souber comandar e as mãos lhe obedecerem».
ricardo.nabais@sol.pt