António Costa vai continuar a fazer de conta?

Há duas questões às quais António Costa terá que dar resposta – e ainda não deu – para que os portugueses possam avaliar a qualidade e importância da sua candidatura a líder do PS e primeiro-ministro.

A primeira diz respeito à sua identificação, ou não, com a prática governativa dos socialistas nas últimas décadas. Fica-lhe bem, para conseguir a unidade do partido e o rassemblement das várias sensibilidades do PS, assumir que este «se deve orgulhar da visão estratégica de António Guterres e do impulso reformista de José Sócrates». Fica-lhe bem, mas fica também a faltar a sua opinião sobre o despesismo público desenfreado nos anos de Guterres e Sócrates, que conduziu o país a défices galopantes e calamitosos e ao desastre anunciado de uma bancarrota da qual escapámos por pouco. É esse o caminho que Costa promete repetir se chegar a S. Bento?

E falta-lhe, também, uma demarcação clara – que nunca teve a coragem política de fazer – em relação aos excessos megalómanos e aos abusos de poder da governação de Sócrates. Dos milhões das PPP, dos TGV e novos aeroportos, dos swaps e das auto-estradas a duplicar, milhões que foram gastos e desbaratados sem rei nem roque. Até às pulsões controladoras e antidemocráticas com que Sócrates tentou colocar debaixo da rédea do seu poder sectores tão nevrálgicos como a banca, da CGD ao BCP, ou a comunicação social, com as tentativas de silenciar vozes incómodas na TVI, no Público ou no SOL.

António Costa pode continuar a fazer de conta que nada tem que ver com isso. Com essa duplicidade – de elogiar o que Sócrates fez bem no Governo e passar uma esponja sobre o que fez de irresponsável e intolerável – pode ganhar o apoio maioritário dos militantes do PS. Mas não ganha, com toda a certeza, nem o respeito nem a confiança do país.
A segunda questão que Costa precisa de esclarecer é se a mudança que promete, para «não acabar a governar como a direita governou», implica não cumprir o Tratado Orçamental, a redução continuada do nível do défice e da despesa do Estado. Ou acha, como o Bloco de Esquerda, que Portugal pode faltar aos seus compromissos e renegociar – não se percebe como – a dívida e o Tratado Orçamental? Se sim, é melhor avisar antes.  

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