A abdicação deu lugar ao consenso laudatório dos media, dos partidos, das personalidades, em relação ao reinado que agora termina, sublinhando um momento crucial da História da Espanha contemporânea, o 23 de Fevereiro de 1981, em que o Rei travou o movimento militar ‘involucionista’. Os radicais de direita e de esquerda, citando o núcleo duro da conspiração, sempre propagaram uma versão distinta e a controvérsia ficará como mais um dos mistérios do nosso tempo.
A solução monárquica permitiu a Franco institucionalizar-se no pós-guerra quando os únicos ditadores admitidos na Europa eram os comunistas, fazendo da Espanha um reino de que ele, o Caudillo, era o Regente. Depois, os monárquicos – como o poderoso, tenaz e hábil D. Laureano Lopéz-Rodó – levaram Franco a escolher para sucessor e restaurador o príncipe D. Juan Carlos. Para tal foi preciso afastar, num processo duríssimo e de grande ressentimento cruzado, D. Juan, Conde de Barcelona, herdeiro em primeira linha, e vencer fortes oposições dentro do regime, nomeadamente da Falange e dos militares, que viam com muito maus olhos a monarquia.
O príncipe aceitou esta difícil ponte entre o pai natural, D. Juan, e o pai político, Francisco Franco.
Ao contrário do que sustenta Paul Preston, que nunca desarma na sua aversão a Franco, o Caudillo não foi ‘enganado’ pelo rumo que D. Juan Carlos deu ao regime franquista. Franco – como Salazar – não tinha ilusões sobre o que sucederia ao sistema que criara quando desaparecesse.
Além de razões de ordem privada, o Rei de Espanha deve ter equacionado os tempos difíceis que aí vêm, com a instituição monárquica bem em baixo em termos de popularidade – 3,72 numa escala de 10, para os 7,32 de 1995.
Com a consciência de ter contribuído para abalar o prestígio da instituição – em desastrosas viagens e aventuras, como a caçada no Botswana, nas repetidas indiscrições das revistas cor-de-rosa, nos escândalos financeiros e de corrupção do genro – D. Juan Carlos deve ter concluído que não tinha já saúde nem sorte para enfrentar o descontentamento dos espanhóis, sobretudo dos mais jovens, num período de grande crise económica e financeira.
Com a aproximação do referendo independentista da Catalunha, em 9 de Novembro próximo, a fragmentação de Espanha é também um risco sério. O referendo é inconstitucional, mas o Governo da Região Autónoma está disposto a levá-lo por diante.
Perante isto, o que pode fazer o Rei, o que pode fazer a Coroa?
Talvez Felipe VI esteja em melhores condições para enfrentar o desafio.