“Noto uma ligeira melhoria na atitude dos condutores, alguns afastam-se completamente ao passar por nós e já não nos vêem como um estorvo, mas a maioria ainda não tem noção das novas regras”, diz Ricardo Cruz, que nota um fluxo muito maior de ciclistas. “É uma diferença substancial. Dantes eram dois ou três, agora são 20 ou 30 por dia”.
Desde Janeiro que os ciclistas passaram a poder ocupar o lado direito da faixa de rodagem, podem circular a par e, na sua presença, os condutores devem agora abrandar – sendo que, se quiserem ultrapassá-los, têm de manter uma distância lateral de 1,5 metros e ocupar a via mais à esquerda senão mesmo a faixa contrária.
'Tangentes perigosíssimas'
As estatísticas mostram que, em apenas cinco meses, os conflitos já se fazem sentir. Entre Janeiro e Maio, a PSP registou 386 acidentes envolvendo bicicletas – mais 117 do que no mesmo período de 2013. Duas pessoas morreram, 16 sofreram lesões graves (mais seis do que em 2013) e 278 tiveram ferimentos leves (mais 80).
“O que me preocupa é ver ainda pouca Polícia. Os condutores interiorizaram que não há vigilância”, aponta Ricardo, que todos os dias percorre 18 quilómetros da Boavista à Maia, no centro do Porto. Em Lisboa, denuncia João Barreto, outro ciclista assíduo, a falta de fiscalização também é um problema: “Todos os dias vejo condutores a fazer tangentes perigosíssimas, a buzinar porque acham que os ciclistas não podem estar no meio da via. Sinto que a informação sobre o que mudou não passou. E as alterações à lei não estão a ser fiscalizadas pela Polícia”.
De facto, até agora, segundo a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, houve apenas um condutor multado por violar a distância mínima de 1,5 metros ao ultrapassar ciclistas – uma infracção grave que pode custar entre 120 a 600 euros.
Ciclista multado por velocidade excessiva
Lembrando que “quantas mais bicicletas circularem na estrada maior a atenção e cuidado dos restantes condutores”, Mário Alves, da Mubi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta), diz que é preciso fiscalizar. “O nosso Código deu enormes passos e está agora ao nível de outros países europeus. Só falta que as forças de segurança o imponham e que todos o cumpram”. E lamenta que o nível de fiscalização em Portugal seja “muito menor do que noutros países europeus”.
José Caetano, presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta, concorda: “Alguns condutores interiorizaram que o espaço público lhes está reservado. Usando as palavras do presidente da Câmara de Nova Iorque, as ruas e as estradas são das pessoa e não dos veículos motorizados”.
Mas se os ciclistas ganharam direitos – além de poderem circular a par, têm prioridade quando se apresentem pela direita -, continuam sujeitos a deveres que a lei já lhes impunha, nomeadamente o de não poderem circular em passeios ou passadeiras. Ora, nos primeiros cinco meses do ano, as autoridades registaram 23 atropelamentos causados por ciclistas, mais 13 do que no mesmo período de 2013.
A Polícia multou mesmo um ciclista por circular em velocidade excessiva, dois por circularem sem mãos no guiador ou pés nos pedais, 27 por não terem documento de identificação, dois por não sinalizarem uma mudança de direcção e outros dois por falta de iluminação. Se circularem sem as luzes adequadas, em contramão ou se passarem sinais vermelhos, os ciclistas podem mesmo ficar inibidos de conduzir.
Três infracções por dia em rotundas
Contudo, se causarem um acidente, têm de pagar do seu bolso os danos, uma vez que não têm seguro obrigatório. “Isso faz tanto sentido como exigir um seguro para peões. Uma bicicleta não tem um potencial destrutivo”, insiste José Caetano, contrariando o coro de críticas quanto a este ponto da lei.
Os ciclistas também ficaram isentos de outra regra introduzida na última revisão do Código: nas rotundas, só se deve ocupar a via da direita se a intenção for sair logo na primeira saída. Entre Janeiro e Maio, a PSP multou, em média por dia, três condutores que violaram esta regra (426, ao todo).
No mesmo período, 848 condutores profissionais e em regime probatório foram multados por apresentarem uma taxa de álcool superior ao novo limite legal de 0,2 g/l.