Aos 46 anos, Felipe Juan Pablo Alfonso de Todos los Santos de Borbón y Grecia subirá ao trono de Espanha como Felipe VI, pondo fim ao 'juancarlismo', um reinado que durou longos 39 anos e que foi responsável pela transição quase sem sangue da ditadura de Franco para um país democrático e moderno.
Eduardo Junco, embaixador de Espanha em Portugal desde 2012, repete a ideia de que Felipe é um homem preparado para liderar a Espanha do futuro, a renascer de uma crise económica grave: “Tem uma ideia muito clara do que é Espanha e do que os espanhóis esperam dele”. E explica: “Sua Alteza é um homem que viaja, que conhece todos os chefes de Estado do mundo, que tem capacidade de relacionar-se também com todos os cidadãos e está casado com uma mulher que foi jornalista. Eles estão muito em contacto com a realidade espanhola”, justifica. Para Junco, que recebeu os Príncipes das Astúrias na sua viagem oficial a Portugal em Maio de 2012, o príncipe é também “um símbolo da Espanha nova, que já não tem nada a ver com a ditadura. Quando Franco morreu, D. Felipe era muito pequeno e não tem nenhuma recordação dos confrontos entre os espanhóis. E isto é também uma característica de grande parte da população”.
Para o embaixador em Lisboa, o país mudou muito em 25 anos, “deixando de ser a Espanha conservadora que tinha uma relação difícil com o futuro e com o estrangeiro, passando a ser um país que se abriu ao mundo e que encara os desafios com um espírito aberto”.
Mas é também um país que após o anúncio da transição da coroa espanhola encheu a Puerta del Sol, a praça mais emblemática de Madrid, de manifestantes agitando a bandeira republicana. “Houve muito mais pessoas que não saíram à rua, que têm uma imagem positiva de D. Felipe e Dona Letizia”, considera o embaixador.
Ironicamente apelidado por Santiago Carrillo, líder do Partido Comunista Espanhol, como 'Juan Carlos, o Breve', no estertor da ditadura – na hora da despedida, após quase quatro décadas a ocupar o trono da Zarzuela, deixa ao seu filho a imagem de um reinado exercido com tranquilidade e relações mais do que cordiais com os súbditos. Apenas ensombradas neste último capítulo em que o genro, Iñaki Urdangarin, e a própria infanta Cristina foram indiciados num caso de corrupção, conhecido como Nóos, ainda a ser resolvido nos tribunais. A presença de Cristina perante um tribunal correspondeu à primeira vez que um membro da família real espanhola depôs perante a Justiça.
O velho Rei foi ainda apanhado num incidente caricato, a caçar elefantes no Botswana, na companhia da amante, tendo apresentado um penoso pedido de desculpas aos súbditos, por caça de espécie protegida. E, desde aí, diz-se, as relações conjugais com a rainha Sofia deixaram de ser amistosas. Em Abril de 2013, as sondagens, sem surpresa, mostravam que apenas 53% dos espanhóis apoiavam a monarquia.
Já reabilitado fisicamente (foi operado por oito vezes entre 2010 e 2013) e depois de ultrapassado o calor do escândalo, Juan Carlos tomou a decisão de abdicar quando completou 76 anos, em Janeiro, e preparou o caminho, esperando por um “momento de tranquilidade”. Num discurso emocionado sustentou que o novo Chefe de Estado vai “inaugurar uma nova era de esperança que combinará a experiência e o impulso de uma nova geração”.
Felipe, que não se recorda de Franco, nasceu numa era absurda. Como relata o El País – num extenso perfil publicado no mês de Janeiro de 2013, em que Felipe de Borbón completou 45 anos -, Juan Carlos telefonou a Franco a anunciar o nascimento de um varão, a 30 de Janeiro de 1968. O próprio ditador ter-se-á pronunciado sobre a escolha do nome do herdeiro, que oscilava entre Fernando e Felipe. “Fernando VII é muito recente; os Felipes são mais antigos”, proferiu o caudilho. No baptismo do recém-nascido – no Palácio da Zarzuela, onde Juan Carlos e Sofia viviam desde o casamento em 1962, numa espécie de reclusão vigiada pela ditadura – cruzaram-se pela primeira e última vez o general Franco e a família real espanhola, que viera do exílio, incluindo a rainha Victoria Eugenia, avó de Juan Carlos, que em 37 anos de exílio nunca pusera os pés em Espanha. Jesús Rodrigues, jornalista do El País, escreve que “jogava-se o futuro”.
Em 1969, Juan Carlos seria designado Príncipe de Espanha, após um longo período, desde 1931, em que a monarquia espanhola fora extinta. Aparentemente conivente com o regime, o inquilino da Zarzuela aguardava, escondendo os pensamentos. Em 1975, quando Francisco Franco morreu, Juan Carlos, suposto garante da continuação da ditadura, num golpe de Estado silencioso impôs a democracia parlamentar que nasceu sob uma forma exótica para a época: a de uma monarquia, mas uma monarquia que serviu para reconciliar os extremos. E subiu finalmente ao trono como Chefe de Estado.
Foram anos difíceis. Mas segundo o El País, a monarquia espanhola vive agora o pior momento desde 1975. Não é fácil o desafio. Mas, mais uma vez, o El País confia na preparação do Príncipe das Astúrias. Instruído pelo pai, que driblou a ditadura, a ser cauteloso e observador, Felipe não dá entrevistas, embora seja cordial e simpático, mesmo com jornalistas. Mas não se expõe. O seu namoro mais sério terminou sem escândalo, com a ex-modelo norueguesa Eva Sanuum a desejar-lhe agora felicidades. Não há rabos de palha na biografia do futuro Rei. Vive com Letizia e as duas filhas, Leonor e Sofia, uma vida pacata numa moradia construída em 2000 e conhecida como o Pavilhão do Príncipe.
E, diz-se, Felipe é também moralmente incorruptível. Desde que jurou a Constituição ao atingir a maioridade, diz que não se afasta dela um milímetro.
A sua formação académica é também vasta. Fez o último ano do ensino secundário num colégio do Canadá. Licenciado em Direito pela Universidade Autónoma de Madrid, fez um mestrado em Relações Internacionais na universidade de Georgetown, em Washington, EUA. Acumula igualmente patentes militares: é comandante do Corpo Geral da Armada e do Corpo Geral do Exército do Ar.
Desde 1996, como herdeiro do trono, multiplicou-se em visitas de representação do Estado, 206 ao estrangeiro, muitas delas à América latina. Recorde-se que numa das conferências Ibero-Americanas o seu pai ficou famoso por um 'Por qué non te callas?' dirigido a Hugo Chávez.
“Uma pessoa que vale a pena”, resume Letizia Ortiz, a antiga jornalista da TVE, que casou em segundas núpcias com Felipe, a 22 de Maio de 2004, inaugurando igualmente uma nova. Será a primeira plebeia a ostentar a Coroa de Espanha. Será este um reinado que vai valer a pena?