Fazer História

O jornalista Henrique Cymerman foi escolhido pelo Papa Francisco para dar a sua primeira entrevista a um canal de televisão a partir do Vaticano. 

A intervenção do jornalista no encontro no Vaticano dos presidentes de Israel e da Autoridade Palestina criou fortes laços de amizade. Independentemente do conteúdo invulgar da entrevista, há que celebrar este feito histórico. Nunca tínhamos visto um Papa a conversar de uma maneira tão pouco solene, diria quase informal, com um jornalista em televisão. O Papa Francisco é um homem sem medo, capaz de dizer o que pensa sem pôr em causa as suas responsabilidades ou a sua posição de chefe da Igreja Católica. As suas opiniões são interessantes e apresentar-se como um padre trabalhador, um pastor com atitudes de simples pároco, é por si só admirável. Não é normal, nunca foi, vermos um homem santo a falar das suas preocupações, expectativas e dúvidas. Foi um momento memorável pelo qual estou imensamente grata.

#PandaCarla

A introdução dos pandas no jogo da previsão de resultados do Mundial pareceu-me refrescante. Os pandas são animais raros e sensíveis, tranquilos e bonacheirões. Podiam não acertar com a implacabilidade desse oráculo da modernidade chamado Polvo Paul, mas sempre eram mais engraçados. Têm no entanto o problema de não suportarem o excesso de contacto humano. As autoridades chinesas proibiram a brincadeira de pôr pandas a prever resultados de futebol porque os bichos ficavam exaustos com tanta vida social. A brincadeira da previsão por animais não é completamente inocente. Trata-se de um acontecimento publicitário. Neste caso, a publicidade seria ao jardim zoológico ou centro de investigação de pandas na China, que disponibilizaria as crias para escolherem os recipientes de comida com a bandeira dos clubes potencialmente vencedores. Os pandas já eram. Mas o camelo não é o animal adequado para prever resultados de futebol. Não acerta e dá azar.

A luta continua

Tim Parks, escritor inglês que vive em Itália, escreveu na New York Review of Books sobre as dificuldades de ler nos dias de hoje. Dá para isso alguns exemplos de frases gramaticalmente complexas, que exigem conhecimentos prévios, escritas por Dickens, Faulkner e Henry Green, autores que não podem ser considerados ‘difíceis’, mas que se foram tornando incompreensíveis. No fundo, Parks fala sobre o modo como líamos antes das modificações brutais que a tecnologia introduziu nas nossas vidas. Até concordo com o que diz. No entanto, acredito que os leitores, no que é essencial, não mudaram assim tanto como Parks sugere. Ser um leitor exige o interesse, ou se quiserem o amor, por outras vidas, outras pessoas, outras circunstâncias. O leitor actual terá mais tentações de se distrair, mais estímulos para ser desviado da leitura. Mas isso sempre aconteceu. Ler é uma actividade que só pode ser realizada por amadores ou curiosos tenazes e incorruptíveis.

Feira popular

Por uma razão qualquer que me escapa, a palavra ‘competitivo’ prevê quase sempre uma diminuição de qualidade para conseguir chegar a mais pessoas. Não é preciso ser tão bom, desde que chegue a mais gente e, por consequência, se venda mais. A expectativa está baseada no preconceito de que o público é estúpido e que por isso não deve ser alimentado a caviar. Não reconheceria o valor daquilo a que estaria a ser sujeito. O que é popular passou a ser tudo o que é mau, mesmo para padrões que se julgam baixos do público. Isto para dizer que a Feira do Livro atingiu um ponto demasiado popularucho este ano, com um ecrã gigante instalado em pleno Parque Eduardo VII, onde se gritava por golos. Além disso, havia quase mais barracas de comida e bebida do que de livros. O problema de querer muito chamar gente é descaracterizar um evento cujo primeiro objectivo é vender livros mais baratos aos leitores. Esta descaracterização tem um preço alto a médio prazo.

Expulsa

Victoria Wilcher tem três anos e sobreviveu a um ataque de três cães de raça pitbull. Tem a cara cheia de cicatrizes e perdeu o olho direito. Há dias foi expulsa de um restaurante de comida rápida da cadeia Kentucky Fried Chicken, em Jackson, no Mississípi. O motivo para a expulsão foi comunicado à avó, com quem a criança se encontrava na altura: «A cara cheia de cicatrizes aterrorizou os clientes». A rejeição descarada teve como resposta um perfil no Facebook criado pelos pais de Victoria, chamado Victoria’s Victories. A conta foi criada para denunciar o sucedido e também para angariar fundos para as várias cirurgias de reconstituição a que a criança tem de ser submetida. Além de todos os problemas que este caso de expulsão levanta, desde legais até à mais básica noção do ‘bom serviço’, fica a perplexidade com a exclusão da vítima em vez da solidariedade com ela. Muitos jornais não mencionaram o nome do restaurante. Que fique claro: KFC.