Juncker garantido por Berlim

Aparentemente afastada a hipótese de conseguir formar um bloqueio minoritário, David Cameron forçará hoje, no Conselho Europeu em Bruxelas, uma votação à escolha de Jean-Claude Juncker para próximo presidente da Comissão Europeia.

Juncker garantido por Berlim

Derrotado, o primeiro-ministro britânico tem agora como objectivo obrigar os parceiros europeus a assumir uma escolha que, nos bastidores, não agrada à maioria. O sueco Fredrik Reinfeldt e o holandês Mark Rutte são dois dos líderes que acompanharam Cameron nas críticas a Juncker e que agora serão obrigados a formalizar a 'traição' em forma de voto.

Cameron liderou a oposição a Juncker repetindo duas ideias. Primeiro, o luxemburguês é um dos mais veteranos em Bruxelas, o que choca com o espírito reformista que o britânico deseja ver na próxima legislatura. Depois porque a ideia de Juncker aparecer como candidato do Partido Popular Europeu (PPE) – que apesar das significativas perdas eleitorais se manteve como maior grupo político de Bruxelas – é, para Cameron, um assalto por parte dos eurodeputados ao poder de uma escolha que deve “ser decidida pelos líderes democraticamente eleitos da Europa”.

Teses que a 25 de Maio, dia das eleições europeias, eram partilhadas por Angela Merkel. “Faço parte do PPE e nomeámos Jean-Claude Juncker. Mas a agenda pode ser liderada por ele ou por muitos outros. De certeza que levaremos várias semanas a tomar uma decisão”, avisava a chanceler alemã no rescaldo eleitoral.

Uma declaração que levou a imprensa alemã a acusar a sua líder de atacar a democracia, revogando um poder prometido ao eleitorado de eleger directamente o próximo líder da Comissão. Pragmática, Merkel demorou poucos dias a declarar o apoio a Juncker justificando-o com o “respeito pelos Tratados”.

De seguida, Merkel juntou-se com Cameron, Reinfeldt e Rutte para vender a ideia de que “mais importante do que os nomes são as políticas a seguir”. Uma tentativa de formar um bloco com aspirações comuns – a mais significativa é a de limitar a livre circulação dos europeus como forma de combater a imigração em caça de subsídios – que esbarrou na intransigência do britânico.

Berlim resolve

Com a promessa interna de negociar a devolução de poderes a Londres caso vença as legislativas do próximo ano, David Cameron chegou a deixar no ar que a eleição de Juncker poderia vir a ditar a saída do Reino Unido do bloco europeu. Uma chantagem que não agradou a Merkel, que resolveu o problema através da coligação governamental que lidera na Alemanha com os socialistas do SPD.

Na semana passada, Sigmar Gabriel causou espanto ao afirmar que “a eleição de Juncker para a comissão e a eleição de Schulz (para novo mandato na presidência do Parlamento Europeu) estão dependentes uma da outra”. 

Depois de tamanha assertividade, foi com menos espanto que no final de um encontro entre os oito governantes socialistas da Europa, decorrido em Paris no último domingo, fosse anunciado o apoio a Juncker. “Martin Schulz teria sido o presidente ideal para a comissão mas eleições são eleições e é por isso que Juncker será eleito”, explicou Gabriel. 

Em Paris esteve também Matteo Renzi, que optou por não fazer declarações mas não desmentiu a decisão colectiva dos socialistas europeus. Merkel terá usado o acordo com Gabriel para garantir a Renzi uma flexibilização da austeridade que garantisse o apoio do italiano a Juncker: “As posições que defendi na Alemanha e agora em França são apoiadas por todos. Não haverá mudanças no pacto de estabilidade mas teremos de garantir que o usamos na promoção de crescimento e na criação de emprego”, garantiu Gabriel. Em Berlim, Merkel anuiu que “o Governo alemão concorda que o pacto de estabilidade oferece excelentes condições para o crescimento económico e de competitividade”.

Paralelamente, a ministra italiana dos Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, passou a ser o nome mais falado para suceder a Catherine Ashton no cargo de alta representante da UE para a política externa. Especulação que ganhou força quando, na quarta-feira, o ministro italiano Sandro Gozi confirmou que “em termos de nomeações, a Itália deseja o cargo de alto representante”.

Schulz revolta Bruxelas

Se o jogo político vai aparentemente servir os objectivos de Merkel, resolvendo já hoje a sucessão de Durão Barroso, há quem já esteja a pagar as consequências do domínio que o 'bloco central' alemão se prepara para exercer em Bruxelas.

Martin Schulz, o homem que durante a campanha anunciou o “fim dos jogos de bastidores” e que se preparava para ser “o primeiro presidente da Comissão a ser eleito em vez de ser licitado em reuniões de porta fechada”, aparece agora como o escolhido nessas reuniões para se manter num cargo que até ao momento era dos poucos que não tinha interferência do Conselho.

Se a eleição parece garantida com votos de populares e socialistas europeus – apesar da frágil maioria estar sujeita a dissidências individuais -, Schulz não deixará de ver as suas contradições expostas no regresso ao trabalho do Parlamento, na segunda-feira.

Ulrike Lunacek, austríaco escolhido pelos Verdes para concorrer contra Schulz, afirmou que “a candidatura surgiu como resposta aos acordos sombrios feitos nos bastidores”, pois defende que “os eurodeputados não podem tolerar qualquer interferência no seu processo democrático”.

nuno.e.lima@sol.pt