Agora, esse mesmo texto está em cena no Teatro São Luiz, em Lisboa, de hoje, sexta-feira, 27, até segunda-feira, dia 30 de Junho, numa produção do Teatro Experimental do Porto (que se estreou, em Setembro de 2013 no Teatro São João, no Porto, sendo a primeira vez que o texto subiu ao palco em Portugal), encenada por Gonçalo Amorim, numa adaptação de Rui Pina Coelho a partir da tradução de António Ramos Rosa.
“Este é o único romance que Brecht escreveu. E começa a escrevê-lo no momento em que se exila na Dinamarca, por causa do nazismo na Alemanha. Através desta obra ele quer fazer uma anatomia de César, ou seja, em tom satírico desmanchar a figura de Júlio César e analisá-la olhando para o que normalmente se chama a mercearia, para a sua contabilidade”, diz ao SOL Gonçalo Amorim, sublinhando que, na peça, vamos assistir à ascensão ao poder de um filho de boas famílias, com tradição senatorial. E, diz o encenador, se de início vemos um sedutor, depois vamos conhecer um político astuto e implacável, no qual César acaba por se transformar.
“Na sua ascensão vemos um homem cheio de dívidas. E que, quanto mais dívidas tinha, mais poderoso se tornava”, salienta Amorim, que não duvida da veracidade do retrato aqui apresentado pelo dramaturgo alemão, que assegura ser muito bem documentado historicamente, a partir de várias biografias de César. “Brecht propõe-se fazer um romance de aprendizagem e coloca um biógrafo entusiasmado com a figura de César a aprender algo sobre ele, através das notas de Raro, que lhe tratava da contabilidade. O biógrafo vai mudando a sua opinião e acaba por desistir do triunfante Júlio César, indo desmontando todos os chavões que foram ficando ao longo da história (…) É um convite a uma releitura da história sob o mote: nada é o que parece”.
Gonçalo Amorim considera que um dos motivos para Brecht não ter acabado o romance se prendeu, provavelmente, com o facto de o dramaturgo ter ficado esmagado não só pela biografia de César como pelos vários “paralelismos que conseguiu encontrar com a ascensão de Hitler e com todas as ascensões de ditaduras e impérios”. Paralelismos que o encenador também encontra com o poder político de hoje. “É triste perceber que a história realmente se repete. E que a história da democracia está cheia de manigâncias nos corredores de poder, de alianças, de conspirações. Assistimos nos noticiários às guerras feitas em nome da paz ou às conspirações dentro dos partidos, para tirar um líder para depois vir o outro. Como se diz na peça: tudo se pode fazer com leis, menos impedir o desenvolvimento do comércio. A lógica que impera é essa, as decisões que são tomadas são para privilegiar a troca de mercadorias, o comércio, a especulação”.