Aquela final no Maracanã há 64 anos foi mais do que uma derrota. Foi o render de um povo. E Obdulio Varela uma justificação desse desaire, nas palavras de Nelson Rodrigues.
O capitão da selecção uruguaia campeã em 1950, a sua ascendência sobre os companheiros, no clube e na ‘Celeste’, e sua pele negra que lhe rendeu a alcunha El Negro Jefe. Foi ele o líder dessa vitória-derrota. Vitória uruguaia e derrota brasileira.
Rodrigues falou mais de uma vez sobre Varela. Ele "não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias" e que "a humilhação de 50, jamais cicatrizada, ainda pinga sangue. Todo escrete tem sua fera. Naquela ocasião, a fera estava do outro lado e chamava-se Obdulio Varela".
Na terça-feira, Mineirão voltou a sofrer a derrota de Varela, mas agora através de Muller, esse líder de uma Alemanha arrebatadora.
A explicação vem, novamente, nas palavras com mais de meio século de Nelson Rodrigues.
“A pura e a santa verdade é a seguinte: qualquer jogador brasileiro quando se desamarra das suas inibições e se põe em estado de graça é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção”, conta nesse livro que é “A Pátria de Chuteiras”.
“Em suma. Temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e por vezes invalida as nossas capacidades. Quero aludir ao que poderia chamar de complexo de vira-latas”.
Isto é, o problema do ‘escrete’ não é um problema de futebol, nem de técnica, nem de táctica, absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa de se convencer que não é mais um vira-lata e que tem futebol para dar e vender. Ponham um brasileiro a correr e ele precisará de dez para o segurar. Era a explicação de Rodrigues.
Na terça-feira com a Alemanha, se olharmos para a selecção brasileira, não tenhamos dúvidas que é ainda a frustração de 1950 que ainda funciona.
Para o escrete ser ou não ser vira-latas. Eis a questão, conta-nos o jornalista e escritor brasileiro Ruy Castro no documentário “O complexo Vira-latas”.
Volta e meia esse sentimento aflora negativamente. “Tudo o que fazemos aqui, os estrangeiros é que fazem a coisa certa. Para sermos grandes temos de os imitar”, diz Inácio Araujo.
Existe um culto da derrota, da imperfeição. Um sentimento muito localizado na classe média que extrapola o futebol e passa para o dia-a-dia. “O complexo vira-lata está mais vivo do que nunca. Está na formação do novo povo”, conta Mino Carta, jornalista, editor, escritor e pintor italiano, naturalizado brasileiro.
SOL