Mais 45 minutos de trabalho semanal

Uma das primeiras medidas anunciadas pelo Governo no início do programa da troika foi o aumento do horário de trabalho em meia hora por dia. Gerou tanta polémica que foi abandonada. Mas não foi por isso que os portugueses deixaram de trabalhar mais: com algumas medidas alternativas introduzidas desde então, o horário médio subiu cerca…

Mais 45 minutos de trabalho semanal

Uma das medidas desenhadas para compensar o recuo na meia hora foi eliminar quatro feriados. A medida entrou em vigor em 2013, o mesmo ano em que outras iniciativas com reflexos nos tempos de trabalho foram concretizadas: aumento do horário de trabalho na função pública (de 35 para 40 horas semanais) e horas extraordinárias mais baratas.

Portugal em 9º lugar

O efeito de todas estas alterações conjugadas é difícil de medir, mas os números do Eurostat mostram que, antes do programa da troika, o horário normal médio de um trabalhador português era de 38,9 horas. Portugal ocupa agora o 9.º lugar na lista dos horários de trabalho de mais de 30 países europeus analisados, passando a Eslovénia e a Croácia.

Alberto Castro, docente de economia da Universidade Católica no Porto, admite que as medidas que fizeram aumentar o horário de trabalho, como a supressão dos feriados, permitiram dar um pequeno balão de oxigénio às empresas, numa altura de grandes dificuldades.

“Não era uma medida essencial, mas há pequenas medidas que podem ir ajudando, e muito provavelmente esta foi uma dessas. Mais vale concretizar estas pequenas medidas do que estar a tentar arranjar uma solução miraculosa”, refere.

Alerta, contudo, que não há uma causa-efeito entre o aumento do horário laboral e a maior produtividade. “Se utilizarmos o tempo a produzir coisas que têm mais valor, se conseguíssemos evoluir para actividades de maior valor acrescentado, poderíamos até trabalhar o mesmo e ter uma produtividade maior e remunerações mais elevadas”, ilustra.

Embora o aumento do tempo de trabalho possa diminuir o custo relativo da mão-de-obra por cada unidade produzida, o economista considera indispensável que o país evolua para actividades mais avançadas na cadeia de valor.

Como é que isso se consegue? A resposta é fácil, mas de concretização difícil: “Pode estar associado à tecnologia, à qualidade da gestão e até à qualificação dos trabalhadores. Não se fazem omeletes sem ovos”.

Mais trabalho, mas a que preço?

Nos horários de trabalho, há um efeito potencial que não pode medir-se de forma exacta: qual o preço de aumentar o horário de trabalho, sobretudo na saúde dos trabalhadores?

Questionado pelo SOL sobre a evolução recente do número de trabalhadores com excessiva carga de trabalho, o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, Jorge Barroso Dias, explica que não existem estatísticas ou estudos suficientes para conhecer a realidade nacional. “É possível que haja mais doenças provocadas pelo trabalho, mas com trabalhadores que preferem não se queixar devido à sua precariedade do trabalho”, refere.

No campo laboral, períodos de elevado desemprego têm um efeito colateral: quem tem a sorte de ficar empregado tem muitas vezes de fazer o trabalho que os outros deixam de realizar por irem para o desemprego – até porque a capacidade coerciva dos empregadores tende também a aumentar nestas fases da economia.

Os grupos de risco

“O excesso de trabalho está em todas as profissões, mesmo em trabalhadores hiperqualificados das consultoras, que trabalham intensivamente sem horário de trabalho – dia, noite e fins-de-semana”, lamenta.

Segundo Jorge Barroso Dias, é comum aceitar-se as 35 ou 40 horas diurnas de trabalho semanal, “mas há também muitos portugueses que continuam a trabalhar seis ou sete dias por semana. Não sabemos com rigor quantos têm segundos empregos e part-time”. Há trabalhadores em sobrecarga todo o ano por falta de efectivos na empresa e que, quando chegam as férias dos colegas, passam a fazer períodos de 12 horas ou mais, acrescenta.

Mas, sublinha, hoje “são fáceis de identificar as situações-limite” ao nível de riscos de saúde no emprego: os trabalhadores de turnos nocturnos, de trabalho temporário e os de call centers, já que “estão expostos a elevada pressão de tempos de trabalho” e funções que implicam até uma “despersonalização do trabalhador”.

Nos grupos de risco indicados pelo especialista, estão ainda os médicos e enfermeiros que fazem vários serviços de urgência por semana e os trabalhadores da construção civil, imigrantes ilegais ou trabalhadores temporários. “Não lhes é dito se têm trabalho no dia seguinte”

joao.madeira@sol.pt