O luxo que é a possibilidade de se viverem as normalidades da vida longe do mainstream: quer seja a não apanhar trânsito ou a controlar o ritmo pessoal.
– Então e o que é que fazes?
– Sou freelancer.
Bem vindos à doce vida do freelancer.
Freelance é um eufemismo para ‘desemprego’; tenho para mim que se utiliza o anglicismo por ser mais cool ser desempregado em estrangeiro.
De há vários anos para cá que muito se fala do freelancer (aquele que pratica o desemprego) e de como o freelancer é uma criatura cheia de sorte, que se faz cobrar rios de dinheiro por trabalhos que qualquer um podia fazer, que só trabalha de vez em quando e que tem a possibilidade de, entre tantas outras coisas, vestir o que bem lhe apetece (uma das maiores expressões e sinais de liberdade da actualidade), de fazer as coisas quando e como lhe apetece sem ninguém ter rigorosamente nada a ver com isso. Consideram-se freelancers todos os profissionais das novas profissões (maquilhadores, stylists, realizadores, fotógrafos, actores, modelos, designers, ilustradores, web-tudos, etc… ) que inundaram o nosso tão pequeno mercado e que não têm trabalhos certos, horários, e muito menos um ordenado mensal.
O freelancer é aquele que se permite a plenitude aos bochechos. É aquele que nunca vai ter um contrato ou a possibilidade de assumir o compromisso económico de comprar uma casa ou um carro a prestações, porque não há quem empreste a quem não sabe quando ganha, a não ser que entre ao barulho um batalhão de fiadores e algum tio rico que dê uma garantia bancária. Posto isto, freelancer é, então, o pior candidato a um endividamento a prazo. É também aquele que não consegue fazer um pé de meia, uma aplicação ou um investimento no Futuro, porque o Futuro é o último dia da renda. É aquele que nunca vai ter direito ao subsídio de desemprego.
Quando comparado com o cidadão comum, o freelancer tem, para além da morte, uma certeza a mais na vida: a carta do incumprimento do pagamento da contribuição para a SS, essa sigla que incomoda tanta gente: Segurança Social. Assim sendo, o freelancer tem afinal direito a uma prestação na vida, do melhor credor do mundo, o Estado: depois de recebida a carta e negociado o pagamento da dívida à SS em ‘suaves’ prestações, há um pagamento mensal a ser efectuado, que acabará por ser uma das maiores aproximações que se conhecerão de uma prestação. E que, para não descriminar, tem juros!
E não é que o freelancer seja um piolhoso, é que depois de ir a concurso e de ter de dar provas do seu trabalho, fazer um orçamento e de ter de baixar ao máximo o seu preço, o pobre do freelancer, para receber, vai ter de se irritar imenso com o pessoal da contabilidade só para passar um recibo verde pelo menos 90 dias depois do trabalho ter sido entregue. Do magro valor a receber fazem-se as seguintes contas: 23% para a retenção na fonte para não ter de se pagar IRS (o que na verdade pode ser considerado um pé de meia, bem vistas as coisas, e com optimismo!…), mais pôr de lado o que se cobrou de IVA, para que nunca falte ao Estado, e no fim de contas, o freelancer é como a Meryl Streep no Sophie’s Choice: pagar a Segurança Social, pagar a renda a tempo e horas ou comer MAL durante um mês?
O freelancer é mais ou menos isto, sem tirar nem por. Talvez se acrescentem uns pontinhos simples, mas nada de especial, tendo em linha de conta o que já se disse.
Falta só acrescentar que o freelancer é aquele que em vez de ficar em casa prefere ser estagiário não-remunerado para sempre, é daqueles jovens em início de carreira até pelo menos aos 40.
joanabarrios.com