Uma dessas consequências foi a Revolução que levou ao poder os bolcheviques e instalou, na Rússia, por mais de 70 anos, o regime comunista. Dela resultou a ‘guerra civil europeia’, com o choque dos totalitarismos comunista e hitleriano, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria e tudo, até hoje.
A revolução russa, nas suas duas fases, nasceu da guerra e dos desastres de guerra das tropas russas frente aos alemães. Desastres previsíveis. A autocracia czarista assentava no poder de uma classe relativamente escassa de aristocratas, dominando uma grande massa de camponeses analfabetos e recém-libertados da servidão e um nascente proletariado. Não houve modernização autoritária e a velha ordem não aguentou o impacto das campanhas e das derrotas. Mal armados, mal equipados, mal comandados, os soldados russos começaram a fazer o que fazem todos os militares descontentes – a desertar e a revoltar-se.
No fim, a revolta foi enquadrada pelos bolcheviques. A História e as histórias dessa revolta e da revolução que pôs fim ao regime a que deu origem estão contadas em inumeráveis escritos: de chefes, como Trotsky e Lenine; de cronistas testemunhais, como Gorki, John Reed e Victor Serge; de romancistas como Bulgakov, Pasternak e Soljenitsin; de historiadores, como Robert Conquest e Richard Pipes.
Li muitos desses livros. Por isso, surpreendi-me pelo modo como devorei, em dois fins-de-semana, este Revolutionary Russia – 1891-1991, de Orlando Figes.
Figes é um historiador inglês da cultura e da política da Rússia moderna, mas o seu livro é uma narrativa empolgante, desde a Grande Fome de 1891 ao fim da União Soviética, no Natal de 1991. É um livro de leitura obrigatória para quem quiser compreender o comunismo e a sua natureza, como triunfou em 1917, como sobreviveu em 1918, como venceu a Guerra Civil, como resistiu, nos anos vinte e trinta, às revoltas e dissensão internas.
Foi graças ao mais absoluto, ilimitado e extremo terrorismo, primeiro no assalto ao Estado e depois, a partir do Estado, contra a população. O regime também nasceu e viveu dos erros dos seus inimigos – da autocracia dos Romanov, da inconsequência de Kerensky, das rivalidades e reaccionarismo dos generais ‘Brancos’, da ingenuidade e utopismo de mencheviques, esquerdistas e outros fraccionistas, mas viveu sobretudo do terror: do terror trotskista na Guerra Civil, do terror leninista contra os dissidentes, do terror da cúpula, burocrático, infinito de Estaline. Viveu do medo absoluto, indivisível, que implantou na União Soviética. E da exploração do nacionalismo e patriotismo dos russos, na resistência a Hitler e na construção do Império. E só acabou, só se dissolveu, quando Gorbachev lhe retirou o medo.
Não passámos por esse medo, mas podíamos ter passado, se o resultado da guerra civil de Espanha tivesse sido outro; ou se, em 1975, outro fosse o balanço de forças.