Gosto de Passos Coelho, embora nele não vote. Corporiza um modelo de país que ideologicamente recuso e em que não acredito, mas reconheço-lhe convicção e uma espécie de pragmatismo idealista que o absolverá quando chegar o tempo de pesar o seu deve e o seu haver. E recordei esta curta conversa por tudo o que tem acontecido nestes últimos meses com a família Espírito Santo e o BES.
Ricardo Salgado, que da família foi o mais renitente em regressar do Brasil nos meados da década de 1980, soube adaptar-se bem e ajudou a reconstruir o que os Espírito Santo haviam perdido com o 25 de Abril. Aliou-se com quem precisou em cada momento. Abriu as portas dos seus palácios, deixou a classe política usufruir da sua companhia, pagou-lhes as campanhas, apresentou-lhes uma vida e um horizonte.
Todos ganhavam e não parecia existir alternativa, talvez não existisse mesmo. Os banqueiros precisavam de estar de bem com a classe política, os políticos precisavam do apoio dos banqueiros, forma mais simples de resolver a dificuldade de financiamento da Democracia – um dos grandes paradoxos do nosso tempo é a vergonha que os políticos têm quando defendem a necessidade de o sistema democrático precisar de ter o dinheiro suficiente para não ter que o pedir a entidades que um dia acabarão por o cobrar de uma maneira ou de outra.
Nas memórias de Jorge Jardim Gonçalves (Jorge Jardim Gonçalves – O Poder do Silêncio), que interpretei o melhor que pude, o fundador do BCP confessa que, antes de todas as campanhas partidárias, o seu banco dava sempre ao PS o mesmo que ao PSD. Assumiu sempre esse donativo como taxa para a sobrevivência da Democracia, por isso financiou directa ou indirectamente todos os principais partidos com excepção dos comunistas – mesmo Miguel Portas fundou os seus jornais com dinheiro do BCP.
Como Mário Soares o fez. Maria João Babo e Maria João Gago, no seu O Último Banqueiro, recordam um almoço em 2005, onde Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi e o empresário Ilídio Pinho, em casa deste último em Vale de Cambra, apoiaram Soares na sua ambição de voltar a Belém. Nada de mais normal pois fora ele, acima de todos, a criar as condições para o regresso dos Espírito Santo e a recuperação de um império que agora o mercado, a cobiça dos tempos e a distância de Passos Coelho ajudou a desmoronar.
O actual primeiro-ministro tem desafiado o poder da banca, mas não tenhamos ilusões, precisamos de esperar mais um pouco. Porque os políticos, e o próprio Estado, continuam tão dependentes como antes do poder económico e do sistema financeiro. O que é certo e factual é que, por motivos e motivações totalmente diferentes, este governo fez o mesmo que o executivo de José Sócrates no BCP. Os socialistas, com o protagonismo de Vítor Constâncio, empurraram Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e a administração que fizera o banco, para no seu lugar colocarem Carlos
Santos Ferreira, Armando Vara e Vítor Fernandes. Como agora, à queda de Ricardo Salgado, mais primos e enteados, suceder, com o apoio do Governador do Banco de Portugal, a ascensão de Vítor Bento, Moreira Rato e Mota Pinto. De alguma maneira, num caso e no outro, com más ou boas intenções, o facto não tem discussão: os dois principais bancos privados passaram para a mão de homens próximos dos respectivos governos.
É uma história sem inocentes. E sem aparentes culpados. Todos têm o seu álibi e todos podem dizer que a culpa é do sistema. Durão Barroso é amigo bastante próximo de Ricardo Salgado. António Guterres foi obrigado a deixar cair Sousa Franco, porque este achava que devíamos ser patrióticos e proibir a venda das empresas financeiras de Champalimaud aos espanhóis do Santander. O mesmo Guterres, depois de dividir os despojos do velho magnata com o apoio de Pina Moura, convenceu Jardim Gonçalves a entrar no capital da ONI, verdadeira caixa de Pandora pois no BCP entraram capitais públicos da EDP e da Caixa Geral de Depósitos, o princípio do fim.
Não há nenhum político que possa dizer: tenho as mãos livres de comprometimentos. Porque não há maneira de fazer politica sem o dinheiro que apenas os bancos e os grandes empresários são capazes de garantir. Mas também o inverso é verdadeiro, muito poucos são os bancos e as empresas que conseguiram sobreviver a crises e circunstâncias sem o apoio dos políticos e do Estado.
Solução? A existir será desagradável. O Estado ter subvenções que garantam a sobrevivência dos partidos. Ou a legalização de uma prática de lobby e a consequente e obrigatória publicação de todos os financiamentos e financiadores, como acontece nos Estados Unidos. Tudo o resto será pior. Tudo o resto é o que hoje existe. E existirá sempre a suspeita de que aquilo que não se diz, e se esconde, é sempre a prova de que uns e outros são corruptos, imorais e o que mais vier à cabeça.
E nem sempre a premissa é verdadeira. Acredito que, na maioria dos casos, não o é. Pelo menos não o é no seu início. Porque não existe política e exercício da Democracia sem influência e sem dinheiro. Dinheiro que os políticos e os partidos não têm. Os pactos são assim inevitáveis. E em alguns o Diabo está presente. Não que não está.