Sobretudo na década de 60, os hotéis da zona de Lisboa foram centros nevrálgicos da vida social da cidade. Ponto de encontro para almoços e jantares, beber um copo ou festas da sociedade, espaços como o hotel Tivoli, o Britania ou o Palácio Estoril, marcaram a vida da sociedade portuguesa. Não eram usados apenas por aqueles que ali estavam alojados, mas por todos os habitantes da cidade. Com os tempos, porém, este papel foi ficando para trás. Os hotéis passaram a ser conotados como palco para encontros de amantes e negociatas obscuras. Ou se estava alojado ou jamais se visitava um hotel.
Nos anos recentes, porém, os hotéis de Lisboa começaram a tentar inverter a tendência. Em muito motivados pelo número crescente de turistas – habituados a que nas suas cidades os hotéis sejam pontos de encontro -, mas também por começarem a procurar outras formas de rentabilizar as suas unidades hoteleiras.
O pioneiro foi claramente o Tivoli Lisboa. Em 2009, o hotel da Avenida da Liberdade transformou o terraço no seu 9.º andar no Sky Bar. “Temos uma das melhores vistas de Lisboa, uma visão panorâmica que vai desde o Castelo de S Jorge até ao rio Tejo e por isso seria um desperdício não tirar partido desta excelente localização, assim como do bom tempo que temos ao longo dos meses de Verão. O conceito de sunset party é o pretexto ideal para uma pausa depois do trabalho e para prolongar as quentes tardes de Verão”, explica Rui de Sousa, director do Tivoli Lisboa e Tivoli Jardim.
Depressa este espaço se tornou uma espécie de marco no calendário: a sua abertura assinala o arranque da temporada de Verão e o seu encerramento anuncia o Inverno. Aberto diariamente entre as 17h e a 1h, com os DJ residentes Ana Gabriela e Bruno Safara a assegurarem a animação musical e uma vasta carta de cocktails e petiscos, por aqui se encontram, além dos clientes do hotel, jovens de fato e gravata e elegantes vestidos, com ar de quem acabou um dia de trabalho. “O Sky Bar acaba por atrair um público mais jovem e que aprecia espaços ao ar livre”, remata Rui de Sousa.
Há dois Verões, outro clássico da hotelaria lisboeta rendeu-se a esta moda: o Mundial, na outrora hostil zona do Martim Moniz, com sunset parties às 5.ª e 6.ª, de Maio ao final de Julho, no seu Rooftop. “O terraço do hotel Mundial estava mal aproveitado. Entretanto surgiu a necessidade de se fazerem reparações na cobertura e, à semelhança do que já acontecia um pouco por todo o mundo, pensou-se em adaptar aquele espaço com uma vista única sobre a Baixa, o Castelo e o rio, num lounge para eventos. Daí às primeiras sunset parties com um registo musical mais à frente do que o simples chill out, foi um pequeno passo”, diz a administradora Carla Maximino.
A música está alta, responsabilidade da DJ Lyla, escolhida por uma marca de gins que patrocina o sunset desta 6.ª. Vêem-se sobretudo grandes grupos de amigos, jovens e menos jovens, gente que a roupa denuncia ter vindo directa do trabalho e outros que se aprumaram para uma noite que ainda vai ser longa. Muitos deles, hoje clientes habituais do Rooftop, nunca antes tinham entrado neste hotel. “A porta de um hotel é sempre uma 'barreira'…”. No entanto, nesta terceira temporada de Rooftop, as resistências parecem ter caído por terra e o hotel já reconhece o retorno – não apenas financeiro. “A imagem do hotel tem saído beneficiada. Sobretudo do ponto de vista do rejuvenescimento da marca e do seu enquadramento no mercado. O hotel passou a ser frequentado e comentado por clientes mais jovens. O investimento realizado na adaptação do terraço tem valido a pena”.
Perante o sucesso, primeiro do Sky Bar e depois do Rooftop, cada vez mais hotéis começaram a dedicar mais atenção aos seus finais de tarde: é o caso do bar 38º41' do Altis Belém com as suas sunset sessions, do River Lounge Bar do Myriad by Sana ou do Upscale Bar do hotel Epic Sana Lisboa, entre outros.
Já este Verão, bem no coração da zona antiga da cidade, o Hotel do Chiado rendeu-se a esta evidência e passou a organizar no seu terraço – até à data pouco aproveitado – o Private Room. “Este projecto nasce do Radio Hotel, um serviço online de música ambiente. Contactámos o hotel para vender este serviço, mas eles já tinham outro fornecedor. Entretanto surgiu a oportunidade para implementarmos o Private Room, um projecto satélite do Radio Hotel e que faz emissão de vídeo e áudio em espaço público, neste terraço que não estava dinamizado. Se antes parecia mal vir a um hotel, hoje já não é assim. Queremos que os hotéis percebam que podem explorar as suas infra-estruturas”, conta Miguel Henriques, mentor do projecto.
O Private Room funcionará até ao final de Setembro, de 4.ª a domingo, das 17h às 22h, sempre com um DJ. Mas não pretende transformar-se numa festa: “Em Portugal as pessoas só se soltam à noite e normalmente quando já estão alcoolizadas. Aqui o que pretendemos é um ambiente de descontracção, mas não queremos ser uma discoteca ao pôr-do-sol”.
Foi em 2009, num banco de jardim, que os quatro irmãos D'Eça Leal – Martim, Bernardo, Afonso e Duarte – falaram pela primeira vez sobre a hipótese de abrir um negócio num dos quarteirões mais movimentados de Lisboa. Ali, em pleno jardim de São Pedro de Alcântara, voltados para o palacete onde um enorme letreiro de Vende-se/ Aluga-se saltava à vista, o irmão mais velho, Martim, desafiou os restantes: “O que fariam com isto?”.
Os irmãos foram dando sugestões, longe de saberem que Martim já tinha no bolso a chave para que visitassem o espaço. Assim que viram os 1.500 m2 do edifício não tiveram dúvidas de que ali nasceria o seu “hostel brutal”. E em simultâneo decidiram que a unidade teria de ter um restaurante: “Até porque na nossa família os homens sempre cozinharam muito. Queríamos ser o primeiro hostel com um restaurante aberto ao público”, conta Duarte. O The Independente Hostel & Suites e o The Decadente Restaurante & Bar abriram em 2011 e o sucesso foi imediato. O hostel conquistou os turistas e o restaurante tornou-se um ponto obrigatório em Lisboa – ao ponto de as receitas serem de 50%-50%. Três anos depois, os quatro irmãos resolveram expandir-se para o edifício vizinho e há um mês inaugurou o The Insólito, um edifício de suites que, no terraço, tem um bar/ restaurante, voltado para o Jardim de São Pedro, com vista privilegiada para o banco de jardim onde tudo começou. E se no The Decadente já tinham sessões de música ao vivo ao final do dia, no The Insólito querem também abrir o espaço aos finais de tarde. Assim, vão passar a ter DJ, saxofonistas e sessões de fado com scratch. “A ideia é criarmos ambiente porque, no fundo, é sobre isso que é o nosso projecto”, remata Duarte.
Bem mais discreto e afastado do epicentro da movida lisboeta fica o hotel Memmo Alfama, inaugurado em Outubro. Escondido na Travessa das Merceeiras, logo a seguir à Sé, este é ainda uma espécie de segredo bem guardado. Mas será difícil que assim se mantenha muito mais tempo. É que o seu terraço saltou directamente para o top dos mais bonitos de Lisboa. E quer ser “um espaço virado para fora”, segundo o director, Paulo Duarte. Por enquanto, o Memmo Alfama Terrace está a funcionar como bar/ esplanada, de 3.ª a domingo, a partir das 18h, mas começa a realizar “pontualmente alguns eventos de final de dia com animação, que poderá ser DJ ou música ao vivo. O que pretendemos é que o espaço seja um local de eleição para beber um copo ao final do dia e petiscar umas tapas, num ambiente descontraído e que não esteja, à semelhança de outros locais na cidade, lotado de pessoas. No fundo, queremos ter um espaço que consiga manter um espírito de animação e simultaneamente de bom ambiente e não massificado”. Basta olhar em volta para entender o que é dito: são os 5, 7 minutos do lusco-fusco, há casais e pequenos grupos de amigos, estrangeiros e portugueses. De copo na mão e Lisboa a servir de tela.