Estas tendências existiam mas estavam integradas pela força centralista. Logo no imediato pós-guerra fria, em nome da democracia e do nacionalismo, a União Soviética e a Comunidade de Estados Independentes (CEI) fragmentaram-se de modo mais ou menos pacífico. Mas já a Jugoslávia, nas mesmas condições, fez justiça à tradicional violência balcânica.
Em África surgiram tensões separatistas, animadas por factores étnicos e religiosos, quebrando o princípio sagrado da União Africana de respeitar as fronteiras coloniais, consagradas na Eritreia e no Sudão do Sul. E na Europa Central houve o divórcio por mútuo consentimento da República Checa e da Eslováquia.
Num mundo onde, em pouco mais de duas décadas, tinha crescido significativamente o número de países registados nas Nações Unidas, a Europa Ocidental parecia ser a excepção. Hoje, além da crescente importância das forças eurocépticas na União Europeia, surgem movimentos que pretendem criar novos Estados a partir dos existentes: nos referendos da Catalunha e da Escócia os respectivos cidadãos vão dizer se querem, ou não, permanecer na monarquia espanhola e no Reino Unido.
Como muitos adolescentes da minha geração, fui um devorador dos livros de Walter Scott, ‘o pai romântico da Escócia’. A Escócia que dali saía era uma terra de montanhas, castelos, e lagos selvagens, onde viviam e combatiam chefes e guerreiros de vontade independente e indomável. A unidade com a Inglaterra, a partir dos séculos XVII e XVIII, não obstara a duas sublevações jacobitas (para as quais, como católico, ia toda a minha simpatia). Mais tarde, em Shakespeare, conheci outro escocês famoso – Macbeth.
Com o iluminismo dos filósofos, políticos e economistas de Edimburgo e Glasgow, a Escócia integrou-se e deu tudo ao Reino Unido: de primeiros-ministros a grandes colonialistas e combatentes do Império. O novo separatismo escocês vem da reacção à desindustrialização escocesa do thatcherismo, com a crise das siderurgias e dos estaleiros navais, e de um sentimento de marginalização, uma aura de outcasts, de colonizados, que alguns políticos, intelectuais e famosos escoceses, como Sean Connery, viriam a encarnar.
Esta reacção favoreceu primeiro os trabalhistas, mas o intervencionismo democrático de Tony Blair no Médio Oriente, pouco do agrado dos eleitores escoceses, levou-a para o Partido Nacional Escocês, com o seu líder, Alex Salmond, a explorar bem a hostilidade ao liberalismo dos tories de uma população com sentimentos solidaristas e apreço pelo Estado Social.
A dois meses do dia do juízo – 19 de Setembro – ninguém arrisca um prognóstico firme. O Sim tem feito progressos, e entre uma aventura no desconhecido e uma continuidade marcada pela recusa no Não, tudo pode acontecer.