O freelancer (parte III)

Depois de ler o artigo que mencionei na parte II deste artigo tripartido, também me perguntei por que há tanto trabalhador independente em espera em Portugal, uma vez que por falta de habilidades não será, já que para se poder sobreviver na base da incerteza é necessário saber fazer de tudo um pouco e ainda…

A única coisa que ainda ninguém parece ter conseguido entender no universo dos desportos radicais – ai, perdão – dos trabalhadores independentes, é o impacto psicológico que a precariedade tem sobre o indivíduo. O impacto que as opiniões dos que estão ‘afectivos’ a um posto têm. Porque o freelancing não é bem uma escolha, é uma inevitabilidade, na grande maioria dos casos. 

Se por um lado esta é a não-actividade que possibilita a manutenção de capacidades de trabalho imensas e a exploraração de tantas outras a cada novo trabalho (leia-se ‘desafio’), por outro, o facto de ter de se estar constantemente sujeito à validação externa dessas capacidades através de demonstrações públicas sistemáticas pode fazer com que o trabalhador independente se sinta uma espécie de pulga de circo: performa proezas que ninguém parece ver, mas que toda a gente diz que viu.

Mas então porque é que há tanto trabalhador independente?
Porque a oferta excede largamente a procura e porque em Portugal, na altura de escolher, a nossa cultura vem mais uma vez à tona: não se tem em conta o trabalho qualificado de um profissional para se optar por quem fizer mais barato. Em tudo. Porque não se ensina ética profissional em lado nenhum. Nem em casa, nem em nenhum curso. E assim se é doméstico e amador e se repetem os mesmos erros vezes sem conta: porque não se respeita o indivíduo.

O impacto que este desrespeito tem sobre o self é grande e cria demasiadas inseguranças, especialmente quando o Verão teima em não chegar.

E o Verão para um trabalhador independente é metafórico, porque apenas atenua uma realidade inevitável em que tudo parece a prazo, mas cujo prazo teima em não chegar.
Longe vai o tempo em que se invejava quem era ‘livre’ a nível profissional. Nunca se observou tanta gente a querer agrilhoar-se voluntariamente a uma entidade patronal que não só não respeita o trabalhador, como nem sequer o entende, muito menos o sabe pagar.

Num país onde pouco se valoriza a ideia norte-americana do self-made man, é difícil querer ser um. No entanto há casos de sucesso muito inspiradores que devem ser divulgados, porque esta modalidade do freelance é tão ou mais popular que o futebol, por exemplo, e conta com quase mais sócios que o Benfica.
Identifico como grande problema na vida do freelancer o fraco poder associativo que se experimenta em Portugal, o qual não é sinónimo de competitividade, mas sim de esquemas de batotice e de linchamento do próximo à mínima oportunidade.

Num país a sério já se tinha legislado decentemente esta precariedade laboral e já se tinham formado equipas de superestrelas independentes por forma a criarem-se constelações e não microempresas que sobrevivem de microcréditos. Galáxias. Não átomos.
Se isto fosse ficção científica, escreveria assim:

‘É 2014 em NeverLand, que já não é a terra do Peter Pan. O Freelancer é o habitante destas terras, povoadas de crianças estéreis de 40 anos com fortes tendências artísticas. É tudo bonito e depurado, há bom gosto e a norma é não haver fatos nem responsabilidades. Há muito que se aboliram protocolos e formalismos. Somos o que quisermos, só que não sei se seremos alguma coisa. A única coisa que sei é que não somos felizes. Não vamos ter Futuro porque já é demasiado tarde. Somos refugiados de todo o Mundo, encontrámo-nos aqui depois da Aldeia Global e não tencionamos ir embora. Era isto ou o ordenado mínimo a recibos verdes. Preferimos isto’. 

joanabarrios.com