O informático, de 35 anos, não hesitou em escolher a segunda opção, mas teve de pagar 175 euros. Daqui a quatro dias, junta-se aos milhares de condutores que já participaram nestes cursos de reabilitação.
Ao todo, segundo dados a que o SOL teve acesso, já 19.315 condutores frequentaram estas acções de formação, pagando uns 175 euros e outros 220, consoante tenham praticado infracções graves ou crimes rodoviários. Esta formação rendeu aos cofres da PRP – única entidade autorizada até hoje a ministrar as sessões – 3,6 milhões de euros.
A possibilidade de os condutores terem aulas de prevenção rodoviária em vez de sofrerem sanções como a suspensão da carta foi aprovada em 2004 pelo então secretário de Estado da Administração Interna Nuno Magalhães. Nos primeiros tempos a adesão foi reduzida, mas nos últimos anos o número de acções formativas da PRP disparou: passou de 500, em 2004, para 3.575, em 2013. O excesso de velocidade e a condução sob influência de álcool estão no topo das transgressões.
Mas se uns reconhecem a utilidade desta medida, alegando que corrige comportamentos, outros consideram que, na prática, tudo se resume a pagar para não ficar sem carta, até porque os conhecimentos vão-se perdendo ao longo do tempo. “É caro, mas preciso da carta”, disse ao SOL Ricardo, que, por dever de ofício, percorre o país todas as semanas.
“A maioria das pessoas não tem nenhuma motivação inicial, só aceitam porque querem continuar a conduzir. No primeiro dia, muitas vêm zangadas com a polícia, connosco… Este não é um trabalho fácil”, admitiu ao SOL o presidente da PRP, José Trigoso. No entanto, sublinha, o objectivo é fazê-las “mudar de ideias” quando terminam a formação. “Está provado, em países onde este modelo foi criado (Alemanha e França), que quem frequenta estas acções torna-se mais competente ao volante do que quem pura e simplesmente é punido com multas ou apreensões de carta”.
Mas para alguns juízes, estas formações não se têm revelado eficazes no combate ao crime rodoviário e defendem que a melhor forma de evitar reincidência é a prisão efectiva (ver texto ao lado).
Fotos de acidentes reais
Depois de se inscreverem, os condutores podem optar por assistir às aulas do curso (de 12 horas) em dois sábados consecutivos ou em quatro dias da semana, em horário pós-laboral. E não precisam de se deslocar a Lisboa (sede da PRP), uma vez que há acções em todos os distritos, em instalações alugadas.
Mas pode ser preciso esperar vários meses até receber a convocatória para a primeira sessão. António, empresário de 41 anos, foi chamado um ano depois de se ter inscrito, em 2010. Apanhado uma segunda vez em excesso de velocidade, além da multa de 250 euros, pagou mais 175 euros para não ficar impedido de conduzir durante seis meses. “Compensa na medida em que ficamos com a carta. A formação é útil sobretudo por isso”, confessa ao SOL, acrescentando que os benefícios são de curta duração. “É verdade que, durante a acção, tomamos consciência dos erros e excessos que cometemos, mas isso vai-se diluindo ao longo do tempo”.
O que se aprende afinal num curso ministrado por psicólogos? “O objectivo não é explicar a lei, mas sim que as pessoas percebam o risco de determinados comportamentos”, explica José Trigoso. Há um módulo inicial, comum a todo o tipo de infracções, em que se explicam noções básicas como tempos de reacção. “Cada um fala da sua experiência. Toda a gente diz que não conduz de forma perigosa e que não fez nada de grave”, recorda António. No segundo dia, os condutores têm um módulo específico adequado à infracção que praticaram – álcool, velocidade ou outras contra-ordenações, como falar ao telemóvel. “Vimos dois filmes sobre distracções ao volante. Um deles era mais violento, mostrava uma pessoa a olhar para o lado e, no momento em que arranca, é apanhada por outro carro”.
Os psicólogos recorrem a várias técnicas, “desde fotos de acidentes reais a vídeos e dados estatísticos”, descreve Catarina Almeida, uma entre os 61 psicólogos responsáveis pela formação. “Temos vários simuladores de velocidade em computadores que ajudam a testar tempos de reacção. A ideia é que as pessoas percebam que não são tão rápidas a reagir como imaginam”.
Um dos objectivos, explica a formadora, é “desmistificar crenças”: “Mostramos dados clínicos sobre tempos de reacção quando se ingerem pequenas quantidades de álcool. A ideia de que beber só uma cerveja não interfere na capacidade de conduzir é falsa. Tudo depende do metabolismo da pessoa”.
'Não há intocáveis'
António considera que seria mais vantajoso se estas acções fossem ministradas quando se tira a carta. “Até porque aprendemos coisas, aparentemente básicas, que não me lembro de ter aprendido na escola de condução”.
No fim da acção, todos preenchem um inquérito. Dos 9.576 que responderam até hoje, 79% considerou que a formação foi útil. Os psicólogos podem ainda elaborar relatórios individuais caso “existam problemas: por exemplo, alguém que aparece embriagado nas sessões ou tem sintomas depressivos e ideias suicidas”, explica a psicóloga Catarina Almeida, ressalvando que estes casos são “muito raros”.
De pequena dimensão, os grupos são compostos no máximo por 12 pessoas, muito diferentes entre si. “Há médicos, arquitectos… Por outro lado, pensei que ia encontrar muitos jovens, mas a maioria das pessoas tinha 40 ou 50 anos”, recorda António.
“Não há intocáveis”, realça Catarina Almeida, lembrando que nestes grupos estão representadas todas as profissões, desde pedreiros a jornalistas, passando por deputados, membros do Governo, empresários famosos e até polícias.
E há casos em que os condutores não têm escolha. Ao contrário dos que praticam infracções, os que cometem crimes rodoviários (condução perigosa, com taxa-crime de álcool, sem carta e homicídios negligentes) são obrigados a frequentar estas acções de formação, impostas por juízes como condição para verem a pena de prisão suspensa.
Nos últimos dez anos, dos cerca de 20 mil condutores formados pela PRP, 5.949 estavam nesta situação. Os cursos que frequentam são mais caros (custam 220 euros) e a abordagem é “ligeiramente diferente” da destinada aos que comentem infracções.
Antes disso, e de o Governo aprovar a legislação, apenas 546 cidadãos tinham sido obrigados, por ordem dos tribunais, a participar nestes cursos, disponíveis desde 1998.
Dinheiro vai para a prevenção
“É preciso fazer uma espécie de rastreio, ver por exemplo se os condutores têm psicopatologias ou alcoolismo crónico. O risco é avaliado de outra forma, uma vez que são situações mais graves”, explica Catarina Almeida, acrescentando que, no caso dos homicídios negligentes, os técnicos da PRP podem mesmo fazer uma intervenção individual se se perceber que o condutor não tem condições para integrar um grupo.
As verbas obtidas pela PRP serão usadas, garante o presidente desta associação sem fins lucrativos, para “pagar campanhas de prevenção e acções de formação e educação rodoviária nas escolas”.