Do circo para o cabaret

Guida Scarllaty e Paulo César sobem ao palco acompanhados pela fadista Helena Valério. Olha Que Dois é um espectáculo de cabaret-teatro que assinala o regresso do mais antigo travesti português e do encenador da revista à portuguesa. Para ver no Chapitô, Lisboa, às sextas, sábados e domingos de Agosto. 

Do circo para o cabaret

Como surgiu a ideia para Olha Que Dois?

Paulo César: Eu já estava afastado dos palcos há algum tempo. E fui ver um espectáculo do Carlos Scarllaty ao Gota Teatro. Fiquei tão entusiasmado por descobrir que, por trás da personagem de travesti que ele há muitos anos interpreta, está um excelente actor, que o bichinho do teatro voltou a mover-me.  

Carlos Scarllaty: Cheguei do Brasil há quase três anos. Estive lá a viver 12 anos, a fazer teatro, no Rio e em Salvador, mas a minha mãe adoeceu e tive que regressar. E no ano passado estava a fazer essa peça, Da Sé para o Cabaret, e o Paulo César, que conheço há muitos anos, por ter feito revista no Parque Mayer, foi ver e disse que tínhamos que fazer alguma coisa juntos. E começámos a trabalhar num projecto a dois. 

Como foi criado o espectáculo?

Paulo César : Foi pensado em conjunto. Depois, os textos e a encenação são meus. 

Carlos Scarllaty: Quando estávamos a fazer isso demos conhecimento à Tété. Ela foi ver um ensaio e disse que queria isto no Chapitô. A Teresa Ricou tem sido impecável. É uma mulher de cultura.

Olha Que Dois mistura cabaret e revista. Em que consiste?

Paulo César: É um cabaret-teatro na linha da revista. Um estilo de espectáculo de que o público gosta muito mas que se deixou de fazer há alguns anos. Quisemos ressuscitá-lo, aliando o sketch de revista à portuguesa, com o travesti e com o fado. Uma mistura muito agradável. 

Carlos Scarllaty: É um espectáculo para divertir as pessoas, com música e sketches de comédia. Há um fio condutor, uma apresentação de um espectáculo musical, onde entra a vedeta e um actor. A vedeta impõe-lhe uma série de condições, ele não está para isso, recusa-se a fazer o espectáculo… E por aí vai.

Há actualidade nos temas tratados?

Paulo César: Há uma actualidade permanente. Quem faz os sketches de revista sou eu, embora nalguns casos com a participação do Carlos. Além do texto base há uma linha de improviso, que faz com que o espectáculo esteja actualizado com os acontecimentos do dia. 

A crise ainda está presente? E Ricardo Salgado?

Paulo César: Infelizmente não nos podemos alhear da crise, que começa por estar presente nos bilhetes, que são a preço de crise, a 7,5 euros. Quanto a Ricardo Salgado, com três milhões de caução tem forçosamente que estar presente.

Como se articulam as canções de revista e de cabaret com o fado?

Paulo César: Muito bem. A fadista que fez o favor de estar connosco, a Helena Valério, é, além de uma excelente fadista, muito teatral. Resulta em cheio. 

Carlos Scarllaty: Qualquer espectáculo precisa de uma atracção que diversifique a oferta do produto apresentada. Como o Chapitô é muito frequentado por estrangeiros, havia necessidade de ter uma atracção ligada ao fado. Daí optarmos por convidar a Helena Varela, que é muito teatreira e tem uma voz muito boa. Pelo que dizem, o cozinhado resultou. 

Esta experiência de trabalho conjunto é para continuar?

Carlos Scarllaty: Sim. Íamos fazer só três fins-de-semana, mas vou ficar sem férias este ano porque a Tété já nos avisou que vamos fazer o mês de Agosto todo. E convidou-nos para depois passarmos para o Bartô, com outro show, só eu e o Paulo César, que estamos agora a escrever. Uma conversa em que ele faz a personagem masculina e eu a feminina. 

Como foi regressar aos palcos portugueses depois de tanto tempo fora? 

Sinceramente não esperava voltar a trabalhar em Lisboa. Vim com a minha mãe doente nos braços e muito desmoralizado. Mas os amigos espicaçaram-me para fazer teatro. E recomecei do zero. Nem tinha guarda-roupa. Fiquei muito surpreendido por as pessoas ainda se lembrarem do nome Guida Scarllaty. Foi uma grande força. As pessoas de 20 e 30 dizem-me que os pais falavam do Scarllaty Clube, mas eles nunca tinham visto a Guida Scarllaty. Sem qualquer tipo de modéstia fiquei muito lisonjeado, muito satisfeito e feliz por, apesar deste tempo todo, as pessoas não terem esquecido. É muito especial.

rita.s.freire@sol.pt