Dignidade e dor

A 23 de Julho, dois aviões de carga chegaram ao aeroporto de Eindhoven, na Holanda. Transportavam 40 caixões com os corpos das primeiras 40 vítimas encontradas nos despojos do avião derrubado a leste de Donetz. 

Cinco minutos antes da aterragem, os sinos das igrejas protestantes e católicas, que representam pouco mais de 30% da população, tocaram sem parar. As bandeiras dos países com vítimas na queda do MH17 estavam a meia haste. Houve um minuto de silêncio. Os caixões foram transportados também em silêncio dos aviões para os carros fúnebres, iguais, estacionados perto. Quando acabou, arrancaram lentamente. Começaram a ouvir-se aplausos tristes, que não confortam nem festejam, mas que declaram a amargura. Durante o trajecto, milhares de cidadãos acompanharam a passagem dos carros fúnebres com o mesmo aplauso de tristeza até às instalações militares Korporaal Van Oudheusden, onde se dará início à identificação dos corpos. A tarefa vai durar meses.

Demasiado resumida

Foi publicada uma entrevista ao Papa Francisco, desta vez na revista Viva do jornal argentino El Clarín. Infelizmente, em muitos jornais as citações aparecem tão resumidas que a entrevista parece incompreensível. Por exemplo, o Papa deu dez conselhos para ser feliz. Entre eles, foi repetido que uma das chaves para a felicidade é «brincar com as crianças». A versão integral é: «A saudável cultura do ócio, desfrutar da leitura, da arte e da brincadeira com as crianças. Brincar com as crianças é fundamental, sobretudo agora que os pais quase não têm tempo para estar com os filhos». Outro exemplo: «Dar emprego aos jovens». O Papa afirmou que não é suficiente dar-lhes de comer. Com os milhões de desempregados devemos ser criativos: «Criar cursos de um ano de canalizador, electricista, costureiro. A dignidade só se consegue quando se pode levar o pão para casa». Aconselho a leitura da entrevista, que, como é hábito com este Papa, é reconfortante.

Tragédia e acidente

O processo dos seis estudantes da Universidade Lusófona que morreram na praia do Meco, levados por uma onda, foi arquivado. Não foram encontrados indícios de crime e foi concluído que se tratou de um acidente. Mas ter sido um acidente, uma conclusão que parece sensata, não responde a todas as perguntas feitas neste processo. Para começar, o que faziam aqueles jovens naquela praia num dia de Inverno? Em que consistia afinal aquele convívio tão desconfortável? Nunca me pareceu importante responsabilizar o único sobrevivente da tragédia, porque a responsabilidade por este acidente não lhe cabe directamente a ele. A responsabilidade está numa maneira completamente errada e estúpida de viver a entrada na faculdade. A responsabilidade está nas instituições que promovem a praxe como uma forma de ‘inclusão’ dos alunos. Os acontecimentos no Meco foram trágicos e não há tragédia sem acidente. Mas não é por ter sido um acidente que não há responsáveis. 

Profissão: enroscadora

Através de um artigo no Business Insider, cheguei ao website de Samantha Hess, cuddleuptome.com. Sam tem 30 anos, uma licenciatura em Desporto e teve uma ideia genial para um negócio. Por 60 dólares por hora, Sam vai a casa, fica a ver televisão consigo de mão dada no sofá, deita-se e enrosca-se consigo na cama, abraça-o e sorri. Sam é toda ela positiva e optimista, diz que adora pessoas e só quer ajudar. A ajuda vem na forma de um serviço que não inclui sexo, só companhia, e custa, bem, os tais 60 dólares à hora. Almas modernas estão neste momento a agitar a cabeça em sinal de aprovação, ao contrário das antigas, que olham para este ‘serviço’’ como mais uma poção mágica para fazer crescer o cabelo. Não há diferença entre o vendedor da banha da cobra ou a enroscadora profissional, que ganha a vida a fingir intimidade, a vender uma tranquilidade doméstica que não é um serviço. É mais do que dama de companhia e menos do que prostituta. Será o quê?

Caso prático

A mulher vai de férias com o resto da família e o marido fica em casa sozinho. Nos primeiros dias está delirante com o silêncio e a liberdade, mas ao terceiro dia resolve ligar à mulher. ‘Olha lá, preciso de companhia, porque as noites são um bocado longas e aborreço-me a ver televisão sozinho’, queixa-se o marido. ‘Ó homem, lê um livro’, resolve a mulher. ‘Tu sabes que só leio à tarde, meu doce, mas depois à noite apetece-me ver televisão e fazes-me falta para interromperes as melhores cenas…’. O silêncio surge como resposta até que o marido sugere: ‘E se ligasse para uma rapariga que diz que vem a casa ver televisão com as pessoas?’. ‘Tu sabes o que penso sobre a prostituição, amor’. ‘Querida, não é uma prostituta! A Samantha só vem ver televisão comigo e pago-lhe à hora’. ‘Hmmm…’, responde a mulher, ponderada. ‘Se me prometeres que não vês Breaking Bad com a rapariga, nem Masters of Sex, nem The Wire… Tudo depende da programação’.