Na narrativa das confrontações e decisões do Gabinete britânico a série segue muito o relato de Christopher Clark, em The Sleepwalkers – How Europe went to War in 1914. É um livro interessante e bem documentado, que tem conhecido merecido sucesso, neste ano de sobrepublicação de títulos sobre a Primeira Guerra.
Como todo o trabalho televisivo, o recurso ao símbolo e à caricatura são obrigatórios. Bem como uma certa dose de maniqueísmo: rótulos de bons e maus ajudam sempre os espíritos mais leves a entender as coisas mais complexas. Agora, até as instituições financeiras recorrem a eles.
E como os ingleses, ao recontar a História, nunca brincam em serviço, o herói da fita é claramente o Secretário do Foreign Office, Edward Grey, que representa uma linha de realpolitik britânica corrigida por um sentido moral de respeito pelas regras da confiança e do cumprimento dos tratados. Os maus são os alemães – o Kaiser militarista e impetuoso, filho de família estragado pelo privilégio, Helmuth von Moltke, chefe de Estado-Maior, espécie de ferrabraz wagneriano, e o Chanceler Theobald von Bethmann Hollweg, o cínico que deixa os excitados (o Imperador e o General) precipitarem os acontecimentos.
O debate sobre 1914 é interminável e, como todos estes debates, fica a meio caminho entre a objectividade e o parti-pris ideológico. A culpa unilateral alemã ajuda a justificar Versalhes, o Tratado que empurrou Hitler para o poder.
Nos anos 60 do século passado, um alemão, Fritz Fischer, com o seu Griff nach der Weltmacht, veio filiar, a partir de uma vasta documentação, a tese da ‘guerra de agressão’ na ideia de que o Kaiser e o Estado-Maior alemão teriam usado o conflito – e o patriotismo das classes populares – para conter a subida dos sociais-democratas. A controvérsia alargou-se quando historiadores como Andreas Hillgruber (de certo modo secundado por A.J.P. Taylor, com a sua defesa da lei de ferro da ‘mobilização ferroviária’) vieram combater a ideia de Fischer de uma deliberada conspiração para a guerra, sustentando antes o chamado ‘risco calculado’. Os alemães temiam o crescente poder da Rússia e, perante a mobilização russa em apoio da Sérvia, garantiram a Áustria sem nunca pensarem que os anglo-franceses fossem intervir no que, para eles, era um conflito nos Balcãs.
Tal como na Rússia e na França de Poincaré, ansiosa de revanche 1870-71, também no Gabinete britânico havia ‘falcões’ entusiastas da guerra, como Churchill.
Nesta hora de balanços, a ideia de ‘povos bons’ e ‘povos maus’ merece alguma reflexão. Até porque, repetindo o estafado pensamento, desconhecer a História é sempre arriscar-se a repeti-la.