Eleições no Brasil: A promessa por cumprir

No bairro do Boqueirão, em Santos, cidade no litoral de São Paulo, poucos populares sabiam que Eduardo Campos, candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB) à presidência do Brasil, ia estar em Guarujá para uma acção de campanha. O socialista – que no final de Julho aparecia em terceiro lugar nas intenções de voto com 8%…

Eleições no Brasil: A promessa por cumprir

Eduardo Campos, 49 anos, era do Nordeste do Brasil. Eleito governador de Pernambuco em 2007, e reeleito em 2010 com mais de 60% dos votos, o socialista gozava de uma popularidade assinalável naquela zona do país.

Em Outubro de 2013, e depois de um acordo político com a Rede Sustentável de Marina Silva, oficializou o que a imprensa dava como certo há algum tempo: que seria candidato ao Palácio do Planalto e que teria na sua lista como candidata a vice-presidente a ambientalista que em 2010 empurrou Dilma Rousseff para a segunda volta.

A estratégia foi elogiada pela imprensa e o ex-governador de Pernambuco, estado onde votam apenas 4,5% dos eleitores brasileiros, tentava assim conquistar os dois colégios eleitorais mais importantes do país, onde está 33% do eleitorado: São Paulo e Minas Gerais. 

Terceira via

A candidatura de Campos propunha uma ruptura e uma terceira via na governação do Brasil. Desde logo porque queria que fossem os homens e mulheres nascidos depois do golpe militar de 1964, como ele, a tomar o comando político. Depois porque considerava fundamental acabar com a polarização entre PT (Partido dos Trabalhadores) e PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro) na presidência do Brasil. Além disso, era “um esquerdista favorável à economia de mercado”, como notou a revista The Economist.

Marcus André Melo, analista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco, confirma ao SOL: “Ele conseguia defender bandeiras como a distribuição de riqueza, a protecção social e os direitos sociais ao mesmo tempo que não tinha um discurso antimercados. Isso dava-lhe uma capacidade de acordos políticos notável”. 

No funeral de Eduardo Campos, que decorreu no domingo em Recife (capital do estado pernambucano), participaram mais de 180 mil pessoas. As imagens reavivaram a memória do funeral de Miguel Arraes, histórico resistente da ditadura militar, ex-governador de Pernambuco e avô de Eduardo Campos que também faleceu no dia 13 de Agosto, mas de 2005.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Tecto (MTST) marcou presença nas cerimónias fúnebres com bandeiras onde estavam escritas as siglas da organização, ao lado de altas figuras de Estado, como Dilma Rousseff, que lamentou a morte de um “jovem político promissor”.

Próximo do povo e das elites 

“Ele tinha um carisma muito próprio que o aproximava das massas. Era um político que sabia colocar-se do lado do povo sem atacar as elites, por isso tinha o respeito das elites”, continua Marcus André Melo, que não descarta a influência de Arraes na formação política de Campos, sobretudo na capacidade de estabelecer o diálogo. 

Foi assim por altura das manifestações de Julho do ano passado, quando os brasileiros saíram à rua para questionar a importância da Copa. No Recife, uma das cidades-sede do Mundial 2014, Campos geriu firme um coro de críticas populares aos preços dos transportes e ao peso dos impostos municipais nos orçamentos familiares. “Ele sempre se mostrou favorável às manifestações e considerava importante o povo vir para a rua reivindicar melhorias na qualidade de vida”, recorda o analista político.

Tudo isto, sintetiza Cláudio Couto, colunista d'O Estado de São Paulo e professor da Fundação Getúlio Vargas, fazia de Campos “o quadro mais notável da sua geração, um administrador público de referência e um hábil articulador político” que não se coibiu de afirmar, em Junho deste ano: pela “primeira vez em 20 anos o Brasil será entregue pior do que foi encontrado”. 

Licenciado em Economia, Eduardo Campos formou-se politicamente no campo da esquerda e sempre na órbita do PT. A ligação do PSB ao PT vem desde os tempos de Miguel Arraes. Campos foi ministro de Ciência e Tecnologia do Governo Lula entre 2004 e 2005. Deixou o Governo depois da morte do avô. Assumiu a liderança dos socialistas nesse ano e começou a preparar o caminho que o havia de levar a governador, com o apoio de Lula. Crítico das “alianças de Lula e Dilma com pessoas mais antiquadas”, segundo Marcus André Melo, Campos dava sinais de que tinha uma alternativa à política do PT.

Quando interrompeu, no início do ano passado, o mandato como governador, e pediu para rasgar o compromisso eleitoral que havia assinado com o partido de Lula em 2010 para a eleição de Dilma, o ex-Presidente garantiu à jovem promessa da política brasileira apoio para as eleições presidenciais de 2018. “Campos não acreditou que fosse possível o PT abrir mão de um candidato próprio para apoiar a candidatura de um aliado político”, explica ao SOL Cláudio Couto, que acredita que o socialista jogava nestas eleições a sua candidatura e possível vitória em 2018. 

Numa primeira reacção, Renata Campos, mulher e mãe dos cinco filhos de Eduardo Campos, admitiu que a morte do marido num acidente de avião que matou os sete passageiros a bordo, e cujas causas da queda estão ser investigadas por peritos brasileiros e americanos, “não estava no guião”.

O papel da substituta

Dilma Rousseff e Aécio Neves, candidato do PSDB, interromperam a campanha até segunda-feira 18, no mesmo dia em que foi publicada uma sondagem que coloca Marina Silva – anunciada esta quarta-feira como substituta de Campos – empatada com a ainda Presidente do Brasil na segunda volta, marcada para 26 de Outubro. A pesquisa nas intenções de voto foi realizada pelo Instituto Datafolha nos dois dias que se seguiram à morte do candidato presidencial. 

“É preciso esperar para ver se toda esta emoção à volta de um evento que o consagrou como candidato nacional terá repercussões nas intenções de voto na sua substituta”, clarifica Cláudio Couto. Já para Marcus André Melo, “o impacto da morte vai continuar muito grande. Marina Silva, na corrida para o primeiro turno, vai fazer uso da figura de Campos, que virou simbolicamente intocável”.

ricardo.rego@sol.pt