“Temos de apanhá-los em flagrante porque de outra forma a aplicação da lei do álcool é impossível”, admite ao SOL a subcomissária da PSP Autora Dantier, lamentando a falta de clareza da nova legislação e de mecanismos que permitam às autoridades ter a certeza do que os jovens trazem dentro dos copos e das garrafas. “A lei é complexa e nasceu torta, e os menores já arranjaram formas de a violar, complicando a prova da infracção”, reconhece também Luís Pires da Silva, inspector da Autoridade Segurança Alimentar e Económica (ASAE) – entidade que tem a competência para fiscalizar o cumprimento da legislação.
ASAE registou sete infracções num ano
Os dados recolhidos pelo SOL mostram, aliás, que os casos de venda e consumo de álcool por menores detectados pela ASAE são os mais baixos dos últimos oito anos. Apenas sete casos foram registados pelo organismo desde que a nova lei entrou em vigor, em Maio de 2013, e até Junho passado. Já em 2012, por exemplo, tinham sido detectadas 12 situações de venda de álcool a menores de 16 anos, que era então a idade a partir da qual o consumo se tornava legal. Entre 2006 e 2012 foram registadas 118 infracções, numa média anual de 19 casos.
“Estes números são ridículos e mostram que a situação não está controlada”, admite ao SOL o presidente da Associação Sindical dos Funcionários da ASAE, Albuquerque do Amaral, lembrando que estamos em plena época de Verão e não há brigadas dedicadas à fiscalização do álcool a controlar o que se passa em bares discotecas ou restaurantes. “Este é um problema de saúde pública e nesse sentido devia ter prioridade sobre outras fiscalizações”, salienta, lembrando que hoje os jovens começam a beber mais cedo, muitos a partir dos 13 ou 14 anos.
Também os dados da GNR – que garante que durante o Verão aumentou a fiscalização da lei do álcool – confirmam uma quebra abrupta das situações detectadas. Só foram registados 13 casos de venda de bebidas proibidas a menores nas 2.647 fiscalizações realizadas desde a entrada em vigor da lei – um número seis vezes inferior ao apurado em 2012, quando foram 'apanhadas' 88 vendas ilícitas .
Até agora, também ninguém foi multado ao abrigo da nova legislação. Os 120 casos envolvendo entrega e venda de álcool a menores registados pela GNR, PSP e ASAE, estão ainda em fase de inquérito. É a ASAE que centraliza todos os processos, e nenhum foi concluído: “São processos demorados”, justifica fonte oficial da ASAE.
As alterações feitas na lei têm permitido que os menores arranjem mais facilmente esquemas para 'fintar' a acção das autoridades – quer da ASAE, responsável pela fiscalização dos locais que vendem álcool, quer da PSP e da GNR, a quem cabe o patrulhamento das ruas.
“Na dúvida, não actuamos”
“Chegamos a um bar e há miúdos de 16, 17 ou 18 anos a beber, mas eles poisam os copos na mesa e depois ficamos sem saber que bebida pertence a quem”, explica outro inspector da ASAE, que pediu anonimato. “E se não conseguimos provar que aquele jovem de 16 estava a beber vodka ou cerveja, então não actuamos”, remata.
Outra forma de os adolescentes confundirem as autoridades é encherem garrafas de sumos ou refrigerantes com sangria ou bebidas espirituosas. Trazem-nas de casa ou compram-nas nas lojas de conveniência, e vão bebendo em grupo.
“Não vamos provar dos copos para saber se é vinho ou sangria”, diz Autora Dantier, que faz parte da equipa do projecto Sem Rótulo, que juntamente com a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Lisboa Centro, fiscaliza consumos perigosos no Bairro Alto, Cais do Sodré e Intendente. “Não podemos fazer testes às bebidas porque não há equipamento que nos permita detectar o tipo de álcool que ali está”, explica, acrescentando que a lei também não prevê que, em casos suspeitos, os copos sejam recolhidos e mandados para análise laboratorial para fazer prova.
Além de novos truques, os jovens continuam a recorrer a bilhetes de identidades falsos ou à ajuda de amigos maiores de idade para obterem bebidas em bares ou lojas de conveniência, que com a esta lei só podem vender álcool até à meia-noite. “Vamos mais cedo e pedimos a amigos com 'ar' mais velho para irem comprar à loja”, contou ao SOL Isabel, de 17 anos, uma das muitas menores que frequentam e enchem a rua dos bares no bairro de Santos, em Lisboa.
E apesar das novas regras terem passado a penalizar com uma multa de 500 euros a entrega de bebidas a menores, não é fácil detectar estas situações. “Ninguém o faz à descarada”, diz a subcomissária Autora Dantier.
PS quer alterar a lei
Os problemas na aplicação da nova legislação são reconhecidos mesmo dentro do organismo do Ministério da Saúde responsável pelo controlo das dependências. “Alguma coisa está errada quando temos uma lei mas não temos capacidade para a aplicar”, admite o subdirector-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), Manuel Cardoso, frisando que a legislação nunca deveria ter feito uma diferenciação de consumo por idades, lamentando que a proposta de proibir o álcool até aos 18 anos não tenha vingado.
O responsável do SICAD, que regularmente reúne com as autoridades fiscalizadoras, conhece as dificuldades de aplicação da lei e quer propor alterações já em Janeiro de 2015. Admite que é preciso garantir a sua aplicação, por exemplo, limitando o acesso a bares e discotecas a quem ainda não tem 18 anos ou dando benefícios fiscais aos bares que não vendam álcool. “São alternativas que devem estar em cima da mesa na revisão do diploma, que estabelece”, diz Manuel Cardoso.
O maior partido da oposição também quer avançar com alterações à lei. “Queremos fazer propostas muito em breve, já na próxima sessão legislativa”, avançou ao SOL a deputada Elza Pais, que coordena o grupo de trabalho sobre álcool e dependências na Assembleia da República.
A proposta socialista quer fazer subir para os 18 a idade mínima para o consumo. “A proibição tem de ser igual para todos os tipos de álcool porque não há álcool bom e álcool mau”, justifica a deputada, acrescentando que essa medida é “consensual dentro do grupo parlamentar”.
Outro dos objectivos que o PS quer garantir é uma melhor aplicação e fiscalização da lei, mas ainda não tem propostas concretas em cima da mesa. “Há ainda matérias que vamos debater internamento a partir de Setembro”, conclui Elza Pais.