No fim do mês seguíamos para Vieira do Minho, para passarmos Setembro no meio do campo e das serras. Mas antes, religiosamente, e aproveitando a proximidade da fronteira, havia sempre uma incursão à Galiza, normalmente a Vigo, mas muitas vezes à Corunha, Santiago ou Pontevedra, para comprarmos caramelos e chocolates, que era a desculpa para virmos atulhados de roupas e brinquedos que em Portugal não havia…
Saíamos de manhã cedo de Vila Praia de Âncora e a primeira paragem estava marcada para Valença do Minho, a vila raiana imediatamente antes da ponte metálica que, na época, fazia o único atravessamento do rio Minho e servia de terra-de-ninguém na fronteira entre Portugal e Espanha. Construída pelos dois países no final do século XIX e inaugurada em 1886, com um comprimento de 400 metros e dois tabuleiros, servindo o inferior para o trânsito rodoviário e pedestre e o superior para o transporte ferroviário, a ponte situava-se entre os postos fronteiriços português e espanhol e a sua passagem trazia sempre um forte sentimento simbólico de partida ou regresso.
Mas era de cima, vista das amuradas da praça-forte de Valença, que a ponte ganhava um outro encanto, com o tráfego contínuo de automóveis entrevisto por entre o quadriculado do caixote metálico que envolvia o primeiro tabuleiro e, de vez em quando, um comboio a vapor a passar por cima e a lançar para os céus uma coluna de fumo, que se ia arrastando e dissipando para trás.
A paragem em Valença do Minho, na altura quase só o povoado entre muralhas, tinha por única finalidade a troca de escudos por pesetas no mercado negro dos comerciantes locais, a taxas muito mais atractivas do que as praticadas pelo câmbio oficial, mas originava quase sempre um passeio pelo burgo medievo e pelas muralhas e baluartes da praça-forte, construída segundo o sistema Vauban. Sendo a mais importante fortaleza minhota e uma das mais relevantes do país, a sua construção actual é do século XVII, no contexto das Guerras da Restauração, embora a sua origem remonte, pelo menos, ao século XIII e a D. Sancho I, apesar do que resta do castelo medieval, um escudo na pedra de fecho da Porta do Açougue, ser já do reinado de D. Afonso III. Mas a gigantesca malha de baluartes, revelins, fossos e patamares que hoje existe foi construída, no essencial, entre 1661 e 1713, rodeando duas áreas distintas, que comunicam através da Porta do Meio, constituídas pela núcleo medieval – a 'Vila' – onde se concentram as ruas, as casas e o comércio, e pela 'Coroada', desimpedida de construções.
Era à Vila que íamos trocar os escudos, mas acabávamos a deambular pela beleza dos recantos e pela majestade das fortificações. Que, ontem como hoje, constituem um dos mais impressionantes exemplos do património edificado português.