Os ‘tempos fracturados’ de Eric Hobsbawm

Quem me aconselhou a leitura de Hobsbawm foi Jorge Borges de Macedo, quando regressei a Portugal, depois da revolução, da contra-revolução, do império e do exílio. Fê-lo à sua maneira, confidenciando-me que “era um dos poucos marxistas vivos que valia a pena ler”. Estávamos no final dos anos 70 e entrávamos neste tempo de thermidor…

Li então The Age of Revolution: 1789-1848 e The Age of Capital: 1848-1875. Deles ficou-me a impressão de um historiador pensante, que via a História como grande espaço de movimento, capaz de sugestivas sínteses interpretativas e não de um historiador-investigador, buscando em fontes primárias o tema ou o argumento.

Fui comprando e lendo os seus livros. Como alguns correligionários não paravam de me repetir, surpreendidos com o meu gosto, Hobsbawm era um comunista impenitente, dos que só podiam existir e sobreviver nas sociedades abertas que as suas convicções condenariam à extinção – tais como os EUA ou a Grã-Bretanha, onde fez carreira de académico, condecorado pela Rainha e bem tratado pelo establishment.

Escrevo a propósito da sua obra póstuma, Fractured Times: Culture and Society in the Twentieth Century, que recolhe uma série de ensaios de valor desigual. Hobsbawm morreu aos 95 anos, em Outubro de 2012. Vinha daquele círculo de 'judeus internacionais', burguesia comercial da diáspora. Nascido em Alexandria, Egipto, viveu a infância e a juventude em Viena e Berlim. O contacto com a política de Weimar e a luta entre comunistas e nacionais-socialistas fariam dele um militante dos ideais e das promessas do comunismo.

Na sua autobiografia, Interesting Times, escreve: “Emocionalmente, como alguém convertido adolescente na Berlim de 1932, pertenço a uma geração presa por um quase inquebrável cordão umbilical à esperança da revolução mundial e à sua casa de origem, a Revolução de Outubro”. 

Fractured Times é também um retrato das contradições dialécticas: a admiração pela cultura burguesa e liberal do século XIX, uma certa nostalgia da sociedade que a criou, o repúdio pelo capitalismo industrial que a destruiu e que gerou as sociedades e as culturas de massa – que Hobsbawm olha de viés, mas que deram origem às revoluções proletárias. O fascínio pelo elitismo da cultura austro-alemã-judaica e o lamento pelo seu desaparecimento frente à força das plebes são assumidos com uma cínica ou resignada aceitação da contradição.

Contradição que foi o lema deste típico mandarim do séc. XX europeu, negacionista convicto dos crimes do comunismo, mas leitor atento e nostálgico do confrade judeu Joseph Roth, que em A Marcha de Radetzky imortalizou o espírito e a forma da douceur de vivre no Império Austro-Húngaro, antes da Era dos Extremos. 

A Era das Contradições ou da Incerteza, seria um bom tema e título para esta abertura do séc. XXI.