Sentada à mesa para jantar com um grupo de gente muito heterogéneo, um dos mais velhos e naturalmente apologista e pregador dos malefícios da tecnologia, pediu a todos que não consultássemos os iPhones durante o jantar.
Ora bem, se com um grupo de amigos já é mais ou menos difícil manter as conversas sempre a vibrar com temas da actualidade e histórias divertidas e coisas desse género, porque há sempre todo um universo a chamar ali do telemóvel, imagine-se o que seria tentar manter a chama da conversa acesa num grupo de gente que mal se conhece. É mais do que óbvio que tivemos todos de ouvir um pequeno sermão acerca de como antigamente é que era, que as pessoas conversavam entre si e que os telemóveis bloqueiam esse acesso entre humanos. Foi então sugerido que ou não se sacasse do iPhone, ou que então se pusesse o iPhone numa pilha ao centro da mesa, sendo que quem retirasse o seu primeiro, perdia. E lá houve um instante breve, leve e suave em que ninguém esteve com o iPhone, para gáudio desta pessoa mais velha. Mas tal como todas as pessoas mais velhas, esta pessoa não se contentou com esse momento. E ainda dizem que a minha geração é que é insatisfeita!…
Na minha cabeça, que estava mais do que longe daquela mesa, comecei a imaginar uma anotação no meu Manual de Etiqueta e Boas Maneiras. Primeiro era uma anotação. Depois tornou-se um capítulo.
Muito resumidamente: para lá da parafernália dos talheres que mais de metade da população mundial desconhece, ficaria o espaço para o smartphone. Sem olhar a destros ou canhotos, sugiro que, tendo em linha de conta que mais de metade da população é destra, o lugar para o smartphone seja do lado direito, antes de qualquer faca ou colher. Sugiro também que se arranjem suportes para que possa visualizar-se o écran correctamente e que haja um jack ao centro da mesa, caso exista um vídeo do YouTube, Vine ou Instagram digno de partilhar com os restantes comensais. Para as ocasiões mais modestas, pensei que estes suportes deveriam pelo menos ter uma forma côncava para que se possa reproduzir som sem necessidade de recorrer à electricidade ou aparatos mais elaborados. Na minha cabeça, estes suportes deveriam apresentar-se em diversos materiais, quer sejam eles casquinha (para as ocasiões especiais), metal ou num plástico decente, género acrílico. Idealmente, quando se compravam as argolas de guardanapo ou as bases para copos, haveria um destes suportes para cada argola.
Passava a ser obrigatório fornecer a password da internet com a morada de casa, porque as operadoras continuam a insistir que os pacotes de internet de um ou dois gigabytes para os planos móveis são suficientes. LOL. E também devia haver, como nas mesas dos escritórios decentes, um centro de mesa com tomadas e carregadores, para quem estivesse a ficar sem bateria. Devia passar a ser obrigatório fazer um update no Instagram em cada refeição, e em vez de se dar tempo para dar graças, devia dar-se tempo para se fotografar o prato, o rótulo do vinho, um pormenor qualquer na mesa e os sapatos de não sei quem. Como no futebol.
Devia passar a ser uma questão de educação respeitar o uso de smartphones em ajuntamentos e à mesa. Porque se há tanta gente a combater uma ideia qualquer de solidão pós-contemporânea através da publicação excessiva de conteúdos nas contas que gere nas redes sociais, por que motivo não haveria de ser má educação deixar o público virtual sem actualizações enquanto se está de corpo presente num ajuntamento tão esporádico quanto o dia de S. Receber? 'The Show Must Go On', já professava a Joan Rivers e cantavam os Queen!…
Bem sei que tudo isto é ficção, mas imaginem só como este simples passo no sentido da aceitação poderia mudar para sempre as trombas de uma série de gente que passa a vida sentada à mesa e dos outros tantos que passam a vida sem saber se é educado ou não sacar do smartphone naquela ocasião.