Um senhor na noite

O seu nome, Miguel Ângelo Fernandes, pode não despertar imediatamente a atenção. Mas basta dizer Miguel do Lux para o cenário se alterar. Durante oito anos, era o primeiro rosto que se via ao chegar à porta da discoteca Lux. Era o homem que todos queriam conhecer, na ilusão de que bastaria isso para entrarem…

Miguel Ângelo Fernandes nunca pensou trabalhar à noite. Aluno de excelência do ISEG, onde entrou em Gestão com uma média de 17 valores, gostava de beber uns copos com os amigos. O Coconuts era, muitas vezes, o destino de eleição, até porque vivia na Parede. No final do Verão de 1992, tinha Miguel 22 anos, o gerente convidou-o para assumir a porta da discoteca. “Disse-lhe que não podia porque não fazia a menor ideia como aquilo se fazia. Ele sugeriu que experimentasse um fim-de-semana e depois falávamos”. Nunca mais deixou de ter uma ligação profissional com a noite. Isto apesar de muitas vezes se ter sentido assolado por dúvidas. “Estive para sair da noite várias vezes. Vivia entre o diabinho que me dizia para continuar que era giro e o anjinho que dizia que era um imbecil e que estava a deitar fora um futuro promissor na Gestão”.

Ficou até ao final de 1995 no Coconuts, altura em que vem para Lisboa integrar a equipa de uma nova casa: o Ultramar. Acaba por ficar pouco tempo e muda-se para “um projecto que estava condenado pelo próprio nome”: o Satanás. Seguiu-se um Verão na porta da Locomia, no Algarve: “Foi aqui que, numa bela manhã de Agosto, acabadinho de chegar a casa, me liga o Pedro Lorena a dizer que o Pedro Luz queria falar comigo. Vim a Lisboa na folga e a 15 de Setembro de 1996 comecei no Alcântara-Mar”. À data o Alcântara era já uma catedral da música de dança em Portugal e berço de DJ como Vibe. Depressa Miguel sentiu que “estava a entrar na Champions League das discotecas”. Foram dois anos “marcantes, até ao nível do desenvolvimento pessoal: estava habituado a trabalhar até às 7h, mas ali havia noites até às 12h”.

Por esta altura já o curso tinha ficado definitivamente no passado. E os pais tiveram de perceber que a noite não seria só uma fase. “Os meus pais sempre me visitaram nos sítios onde trabalhei e logo nos primeiros dias. Tal como em todos os projectos que montei. Ainda agora, no Lisb/On, estiveram aqui os dois dias. Recebi sempre muito apoio”. Aos pais, juntou-se há 19 anos, a mulher, Tânia, e há 16 as duas filhas, Abigail e Micaela. “Tive a sorte de me cruzar com uma estrela que aceitou fazer parte do meu caminho e me ajudou sempre. A Tânia é a minha grande parceira, que me permitiu ter mais duas parceiras: as nossas filhas, que nos acompanham em tudo”.

Em 1998, Miguel juntou-se a uma equipa que viria a abrir uma das discotecas mais importante do país: o Lux. Depois de algumas semanas a ser observado, acabou numa entrevista de recrutamento que foi “um desastre porque estava nervoso”. Ainda assim foi escolhido e aí começaram quase oito anos em que foi a tal primeira cara que se encontrava ao chegar ao espaço de Santa Apolónia. “Cada casa marcou-me de alguma maneira, mas ter a oportunidade de trabalhar com o Manuel Reis foi extraordinário porque é trabalhar com alguém com uma visão clara daquilo que quer e o que tem de fazer para lá chegar. Poder gravitar nesse universo é um privilégio”.

Apesar deste sentimento, sair do Lux acabou por se revelar menos dramático do que poderia pensar. Isto porque Miguel teve “uma grande ajuda: o próprio Manuel achou que fazia sentido aceitar o convite que me tinham feito. Mas não foi fácil, tive muito medo”.

O tal convite foi para ser concessionário de bares do Casino Lisboa e deu a Miguel a oportunidade de trabalhar “com outro visionário”: Mário Assis Ferreira. Os dois cruzaram-se porque, em paralelo com o trabalho no Lux, Miguel foi organizando algumas festas. Uma delas teve lugar no Hotel Estoril Sol: “No dia da festa, o Dr. Mário Assis Ferreira convida-me para ir ao último andar do hotel, diz-me que está muito contente e que tem um projecto novo sobre o qual gostaria de falar comigo”. Começou aí uma parceria que ainda hoje se mantém. Miguel não só é responsável pelo Arena Lounge, como ainda cabe a este melómano confesso a escolha dos DJ que ali tocam, além de dar o seu input em relação aos convidados para concertos no Casino. Desafios que ajudaram Miguel a apaziguar, finalmente, a relação entre o tal anjinho e o diabinho e a “resolver essas questões que estavam fechadas na gaveta do fundo”. 

raquel.carrilho@sol.pt