Objecto de desejo

Não são caso único de resistência no teatro português mas serão caso paradigmático. Os Artistas Unidos (AU) estão prestes a ficar sem tecto, com o Teatro da Politécnica, que ocupam há três anos, a ser alvo de concurso público (a que os AU ainda estão a avaliar se têm possibilidades de se candidatar), depois de…

Mas já não é a primeira vez que os AU se vêem de casa às costas – A Capital foi encerrada pela Câmara em 2002, levando-os ao Teatro Taborda, de onde saíram para o Convento das Mónicas. E não será por isso que deixarão de levar textos à cena. Prova disso é a peça que hoje estreiam no Teatro Viriato, em Viseu. Gata em Telhado de Zinco Quente, de Tennessee Williams, encenada por Jorge Silva Melo e protagonizada por Catarina Wallenstein e Rúben Gomes, andará por vários palcos nacionais tendo sido feita em co-produção com esses espaços. Hoje e amanhã em Viseu, de 25 a 30 no CCB, e depois em digressão até chegar ao Porto, ao Teatro Nacional de São João, de 5 a 22 de Fevereiro.

Vencedora de um Prémio Pulitzer, Gata em Telhado de Zinco Quente foi escrita pelo dramaturgo norte-americano nos anos 50 e imortalizada por Elizabeth Taylor e Paul Newman num filme realizado por Richard Brooks (com substanciais diferenças relativamente à peça). Versando sobre o desejo sexual e a ganância, tudo acontece numa plantação de algodão nos EUA. O patriarca – a morrer de cancro sem o saber – comemora o aniversário, para o qual a família se reúne no intuito de, pela última vez, lhe cantar os parabéns e assegurar uma fatia de leão da herança. O seu filho Brick (Rúben Gomes) e a mulher, Maggie (Catarina Wallenstein), são dois dos presentes. São eles quem encontramos, na intimidade do quarto, no início da peça. De perna partida, ele bebe, deprimido, e intui-se a sua homossexualidade, porque ela deseja-o e é rejeitada. “O Brick é o belo desejado. É nesta altura da história da humanidade que aparecem homens como objecto de desejo feminino. Até aqui eram as mulheres que eram o objecto de desejo”, avança Silva Melo, notando que a peça, de 1954, se dirigia a homens que tinham feito a guerra e visto os amigos morrer, e a mulheres que não tinham sido namoradas, apenas prometidas. “Enquanto ele andava na guerra com o melhor amigo, ela esperava. Tem sempre ciúmes do melhor amigo do marido. É mal-amada porque nunca teve intimidade”, comenta o encenador.

Sem filhos e sem sexo para os fazer, a tensão é permanente, sobretudo quando, com a morte tão perto, ao longe se escuta o ruído das crianças. São os filhos do irmão de Brick e da sua fértil mulher, aparentemente mais aptos a receber a tão disputada herança.

“O que é extraordinário no Tennessee Williams é que as personagens são tão bem conseguidas que ultrapassam as intrigas. A resolução da peça é ridícula. Ela diz 'vem fazer-me um filho e eu dou-te um copo de whisky'. Nunca tive tanto êxito para resolver os meus problemas. Mas a força dramática é tão grande que nem reparamos nestas coisas parvas”.

Depois das 40 representações desta peça, mesmo sem palco garantido, Silva Melo está a planear o regresso do dramaturgo norte-americano: dentro em breve começará a preparar Doce Pássaro da Juventude que, protagonizado por Maria João Luís e Rúben Gomes em conjunto com um grande elenco, se deverá estrear em Abril de 2015. Agora estão a decorrer os ensaios de Rapsódia Batman, de João Pedro Mamede, com estreia prevista para Outubro e, em Fevereiro, deverá estrear-se Os Acontecimentos, de David Greig, com João Pedro Mamede, Andreia Bento e um coro de 20 elementos.

rita.s.freire@sol.pt