Viagem a Proust

No episódio mais célebre de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, um pequeno pedaço de uma madalena molhada no chá traz ao narrador uma recordação perdida no inconsciente. Em Albertine, O Continente Celeste, o encenador Gonçalo Waddington não traz de volta a madalena – que “já nem funciona tão bem” -, mas adapta…

“É como se o público estivesse no palacete de Marcel. Agarrámos uma pequena amostra e tentamos dar um bocado da ideia formal e lógica do Proust. Parece-me muito mais interessante do que adaptar a obra, que seria impossível ou teria de ser feito em sete ou oito peças”, explica o encenador. Em Busca do Tempo Perdido é um dos mais longos romances jamais escritos, estando dividido em sete volumes, com várias edições a ultrapassar as quatro mil páginas. Esta complexidade não o impede, porém, de estar em várias listas de melhores obras de sempre.

Waddington, na estreia como encenador puro e duro (está desta vez fora do elenco, composto por Carla Maciel e Tiago Rodrigues), optou por se centrar na discussão que separa as águas entre Marcel e Albertine, que irá fugir da casa que ambos partilhavam. É esse momento do volume cinco que o Marcel dos dias de hoje decide revisitar. “Considero mais fácil encenar e estar lá dentro, sinto-me como um treinador amordaçado. Mas o que pretendo é fazer uma homenagem àquela obra, que é capaz de ser uma das ou a mais exigente e bonita que já li”, explica.

Albertine, O Continente Celeste obrigou ainda Gonçalo Waddington a leituras científicas, não só para descodificar partes da obra de Proust como também para construir o enredo. “Há dois anos agarrei o livro de novo e no final do primeiro volume é como estarmos num país novo, com uma cozinha nova, e o corpo não reage bem. Mas depois há uma rasteira qualquer e fica-se completamente seduzido”. Depois do Porto (até 5 de Outubro), o espectáculo segue para Lisboa, onde estará em cena de 10 a 18 no São Luiz.