«Não se pode criar ilusão às pessoas». O alerta vem do bispo de Évora, José Alves, referindo-se à ideia de que o sínodo da família, que começou este domingo no Vaticano, pode resultar numa revolução da Igreja, em relação aos casais homossexuais, aos recasados ou às uniões de facto. «Há coisas que a Igreja não tem poder para mudar», explica o bispo, dando um exemplo: «Um casamento será sempre apenas entre um homem e uma mulher».
Certo é que a questão dos casais do mesmo sexo será, segundo o documento-base deste encontro, um dos temas em discussão, até porque as actuais orientações da Santa Sé já pedem que os homossexuais sejam acolhidos na Igreja e não marginalizados e que os seus filhos possam receber sacramentos. «O filho de um casal gay não é excluído da catequese e pode pedir um baptismo se os padrinhos garantirem que a criança terá uma educação cristã», confirma ao SOL o bispo da Guarda, Manuel Felício, para quem é fundamental que o sínodo debata estes assuntos: «Em Portugal as uniões de facto já representam 20% das uniões e mais de 40% das crianças nasce fora do casamento».
Mas para Manuel Felício a grande mudança a sair do encontro será a forma como a Igreja olha os católicos que casam mais do que uma vez e que estão impedidos de participar em sacramentos e actividades ligadas à Igreja. «Tenho situações de pessoas recasadas que querem ser acolhidas, confessar-se e comungar. Tenho expectativa que agora isso possa mudar», confessa.
Bispos querem anulações de casamentos mais rápidas
O bispo de Beja, António Vitalino Dantas, também prevê alguma abertura em relação a este assunto – que, segundo admite, gera «grandes divergências» no seio da Igreja portuguesa e no mundo. «Há quem considere que ao fim de determinado tempo de penitência, os recasados podem ser readmitidos aos sacramentos», explica Vitalino Dantas, acrescentando que uma das soluções para diminuir o sofrimento dos recasados é agilizar os processos de nulidade do casamento, como, aliás, tem sido pedido pela Cúria romana. «Os processos são demorados e baseiam-se essencialmente em aspectos legalistas, deixando de fora outras questões», argumenta o bispo, referindo-se ao facto de os tribunais eclesiásticos ignorarem a conjuntura que levou a pessoa a casar e que muitas vezes prova que a opção não foi livre, um dos pressupostos para anular o casamento.
Manuel Felício concorda. «Não percebo porque é necessário um colectivo de três juízes para analisar cada caso», critica, explicando que devido a esta exigência o tribunal eclesiástico na Guarda só conseguiu, no ano passado, declarar nulos cinco casamentos. «E tenho mais dez pedidos para serem analisados», refere. Também o bispo de Bragança-Miranda, José Cordeiro, avisa que «há processos acumulados nos tribunais» por serem «excessivamente burocráticos». A par desta necessidade de agilizar as nulidades matrimoniais, Vitalino Dantas diz ser essencial uma maior exigência nos cursos de preparação para o casamento: «Tem de ser uma preparação mais cuidada».
Mais fácil de resolver, alegam os bispos, é a questão das uniões de facto. E no sínodo poderão ser delineadas estratégias para cativar os católicos que vivem juntos sem casar a avançarem para um matrimónio. Uma das soluções, adianta o bispo do Porto, António Francisco dos Santos, é incentivar os casais a dar o nó quando querem baptizar os filhos ou quando entram para a catequese.
«Vai ser um sínodo importante e a metodologia é inovadora», considera o bispo do Porto, referindo-se aos inquéritos sobre a família que o Papa enviou, no ano passado, para as paróquias de todo o mundo e que servem de base a este encontro que dura até 19 de Outubro e que contará com 253 participantes, entre eles o patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.
António Francisco dos Santos sublinha ainda que a Igreja tem de ter uma atitude «mais mobilizadora» para envolver toda a família. E o bispo de Leiria-Fátima, António Marto, defende que é cada vez mais importante ajudar os casais a manter o casamento, quando estão em crise. «Está em andamento em colaboração com o Santuário de Fátima, a criação de uma equipa para dar apoio psicológico, jurídico e espiritual aos peregrinos e casais que atravessem momentos de crise conjugal», revela.
Contracepção só natural
O Papa quer ainda discutir neste sínodo – que terá uma segunda reunião em Outubro de 2015 – a moral sexual e a contracepção. Segundo o documento preparatório para o encontro, os inquéritos permitiram verificar que grande parte dos fiéis não conhece bem a filosofia da Igreja. Esta defende que o casamento tem de assentar na «fidelidade» e «no amor fecundo destinado a suscitar novas vidas», sendo aceite que se evitem nascimentos quando não há condições para assumir o que uma «paternidade responsável», mas apenas através de métodos naturais. No entanto, este parece ser um assunto que vai gerar várias interpretações. «A Igreja tem mantido uma posição clara sobre métodos de controlo de natalidade em vigor», explica o bispo de Leiria-Fátima, admitindo que para um «correcto planeamento familiar é necessário ter em conta a condição física e de saúde do casal, as diferentes etapas da vida por que passam, a condição económica, entre outros». E o bispo Vitalino Dantas confessa que esta é uma matéria delicada: «Muitas vezes digo aos padres que têm de ter cuidado na forma como falam com os casais sobre este assunto pois não podemos criar problemas às pessoas».
Por outro lado, o Sumo Pontífice já assumiu que pretende definir estratégias para ajudar os fiéis a descobrir a «vocação do amor», aumentando os casamentos católicos, em queda em todo o mundo.
«É de facto preciso reconhecer as dificuldades que existem nas questões de família e debatê-las», diz o arcebispo de Braga, Jorge Ortiga, considerando que a leis essenciais não serão abaladas.
Já para o bispo de Viseu, Ilídio Leandro, o importante, neste sínodo, é «ficar esclarecido que a Igreja acolhe toda a gente», mas não pode «dar a mesma resposta a todos».
Recasados e gays pedem clarificação
Os homossexuais católicos e os recasados esperam que da reunião magna resulte uma clarificação de várias situações. «Em Portugal, dependendo das paróquias, os recasados são tratados de forma diferente. Há sítios em que são autorizados a comungar e noutros são ostracizados. É preciso clarificar», diz Teresa Borges, do movimento Recasados na Igreja. O mesmo pede José Leotte, da Associação Novos Rumo, de homossexuais católicos. «A Igreja connosco tem sido ambígua. Vou a missa e comungo, mas há outros que são marginalizados», conta, acreditando que o sínodo trará novidades em relação aos filhos dos gays.
Tanto os homossexuais como recasados garantem, porém, que não têm grandes ilusões. E Teresa Borges desabafa: «Não nos parece que vá haver uma revolução».