Segundo a proposta, será criado um registo criminal só para os arguidos condenados por crimes de abusos sexuais, cujo paradeiro será controlado pelas polícias, sendo que essa informação poderá ser pedida e facultada aos pais de menores de 16 anos. No mesmo pacote legislativo, o Ministério da Justiça prevê alterações legislativas que incluem, entre outros aspectos, a criação do crime de aliciamento de menores para fins sexuais através de meios tecnológicos (internet e telemóveis) e a proibição de os condenados por abusos de menores exercerem, por períodos entre cinco a 25 anos, profissões ou actividades que envolvam crianças e jovens.
‘Vai além da directiva europeia’
Várias personalidades têm-se manifestado contra o projecto do Governo. Depois do antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, na semana passada foi o ex-Presidente da República Jorge Sampaio quem qualificou o projecto como uma “manifestação da deriva securitária” em que vivemos e “um regresso ao pelourinho” e à “Justiça de apedrejamento”.
Os juízes dizem que o Ministério de Paula Teixeira da Cruz vai além do que é pedido na directiva europeia invocada para se avançar com este tipo de registo: “A proposta agora introduzida consubstancia uma enorme fractura no sistema penal e processual penal nacional, de raiz continental, que vigora num espaço jurídico e judiciário comum, sendo que o que se propõe nem sequer é pressuposto obrigatório da directiva europeia”.
Este modelo “importa soluções que não têm no nosso ordenamento qualquer sustentação histórica”, acrescenta a ASJP. “Não se evidencia qualquer utilidade em termos de
prevenção geral que vá além de uma dimensão populista, demagógica, perigosa e inconsequente com um Direito penal que ao longo dos anos tem mostrado que na sua essência é inequivocamente funcional, ainda que sustentado numa matriz de respeito pelos direitos fundamentais”, acrescenta o parecer.
Para a associação sindical, “não existe um direito à segurança de tal forma amplo que determine o dever do Estado dar a conhecer aos seus cidadãos o passado criminal de outros membros da comunidade”, sendo que isso é “inequivocamente desproporcional e não conforme com a Constituição”. Finalmente, recorda-se que leis similares noutros países tiveram “resultados trágicos” e que “a directiva europeia que se pretende transpor apenas prevê que tal acesso deverá obedecer à ordem constitucional de cada país, limitando o seu acesso às autoridades judiciais e policiais”.
Procuradores criticam acesso
Já o sindicato dos magistrados do MP considera a iniciativa legislativa do Governo “globalmente positiva”, concordando com a “maioria das soluções propostas”. “Salienta-se, a este respeito, o acerto da punição de todos os crimes contra a autodeterminação sexual com pena de prisão, sem que a pena de multa se encontre prevista como pena principal alternativa, bem como a previsão expressa da punibilidade da tentativa” nos crimes puníveis com prisão até três anos.
Quanto ao registo de abusadores sexuais de menores, os procuradores da República consideram que o acesso por parte de pais de menores de 16 anos “é, além de anacrónico, ostensivamente ilegal”.
“Não vemos uma única finalidade relevante e legítima que possa ser alcançada com esta medida, uma só!”, salientam. E questionam: “Poderia sempre afirmar-se que ela visa garantir que os detentores das responsabilidades parentais poderiam proteger as crianças. Este seria sempre um argumento puramente demagógico. Proteger as crianças como? Organizando milícias populares de ‘caça ao pedófilo’?”.
Texto actualizado às 22h, com parecer do SMMP