Matemática hereditária

Não é todos os dias que se recebe um prémio das mãos de Lech Walesa. Mais raro é recebê-lo aos 16 anos, muito tempo depois de o famoso sindicalista polaco, que se opôs ao regime do seu país e que se tornaria mais tarde Presidente de uma Polónia democrática, ter construído o seu carisma. Pois…

Não é todos os dias que se recebe um prémio das mãos de Lech Walesa. Mais raro é recebê-lo aos 16 anos, muito tempo depois de o famoso sindicalista polaco, que se opôs ao regime do seu país e que se tornaria mais tarde Presidente de uma Polónia democrática, ter construído o seu carisma. Pois foi essa a glória que coube a João Pedro Araújo, jovem estudante – começou agora o 12.º ano – que integrou o grupo dos primeiros portugueses a receberem o prémio máximo do Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas, este ano realizado em Varsóvia. Além dele, que conquistou o prémio com um trabalho em matemática, as jovens Mariana Garcia e Matilde Moreira, de Arouca, celebraram o galardão na área da biologia.

Reservado, João Pedro, “depois de ver os trabalhos dos outros concorrentes” acreditou que ia a Varsóvia “para pedir autógrafos”. A cerimónia, de três horas, prolongou essa convicção. “O meu prémio foi o último a ser anunciado”, recorda. “Os outros projectos, como uma mão biónica ou novas abordagens ao cancro, eram impressionantes”. Já na fase nacional do concurso tinha ficado rendido aos trabalhos dos colegas, “um jovem de uma escola profissional de Oliveira do Hospital fez uma fantástica máquina de plantar batatas”.

No chão da sala da casa do premiado ainda se viam os cartazes 'My mano is the best!' que os cinco irmãos usaram no aeroporto de Lisboa, na recepção ao primogénito da família.

Mas o que fez João de tão extraordinário? “Os melhores teoremas são verdadeiros e belos. Um matemático australiano provou um teorema verdadeiro, mas feio”. Michael Kinyon, conceituado matemático norte-americano da Universidade de Denver e da Universidade Aberta, usou um computador para encontrar a versão bela do teorema, “mas a demonstração do computador era incompreensível”. Quando João Pedro lhe pediu para supervisionar um trabalho da escola, ele deu-lhe como tarefa “demonstrar a versão bela do teorema”. Para estudar o assunto pediu livros ao pai, que lhe indicou Teoria de Grupos em Desenhos. A dificuldade do livro era tal que João Pedro comentou a rir: “Com um pai assim não preciso de inimigos”. Felizmente, encontrou “livros da faculdade onde tudo estava explicado de forma simples e clara”. Assim o jovem português conseguiu provar o teorema e com isso convenceu o júri do concurso europeu, depois de ter conseguido a 'rendição' do júri português da Mostra Nacional de Ciência, onde expôs o trabalho antes de seguir para Varsóvia. “Fiz o trabalho e submeti-o. Convidaram-me para ir apresentá-lo aos professores e investigadores da Faculdade de Ciências [da Universidade de Lisboa]”, adianta. “E um deles sugeriu que me candidatasse ao concurso de jovens investigadores”. Para quem já viu uma feira de ciência em filmes americanos, a ideia é similar – os trabalhos são apresentados em stands ao público e avaliados por júris.

A partir deste ponto, a história segue como a conhecemos. Aluno do Colégio Planalto, em Lisboa – famoso pelo currículo internacional -, João Pedro ingressou um ano mais cedo na escola. São os alunos que escolhem as disciplinas e cada um tem de frequentar seis. Escolheu Literatura, Inglês, Economia, Física, Química e Matemática, mas a última é a preferida, talvez pela carga genética. O pai, João Araújo, é um matemático da Universidade Aberta e lá coordena um doutoramento que tem a novidade de ser leccionado por grandes professores estrangeiros. Michael Kinyon, que orientou João Pedro, é um deles. Esse doutoramento foi tema recente da secção de Ciência da Tabu.

O destino da família tem sido pródigo em episódios intensos. Com a felicidade de conseguir um prémio nunca antes alcançado em Portugal, havia uma tristeza íntima “por a mãe não estar em Varsóvia para eu poder agradecer-lhe as horas e horas que passou a estudar comigo quando eu era pequeno. Infelizmente o meu pai foi operado a um cancro e a minha mãe teve de ficar a cuidar dele”.

Mas João Pedro, sereno, prosseguiu. Começou a programar aos 12 anos e apresentou no concurso de Varsóvia uma aplicação para android (Schur's Challenge) extraída do seu teorema. Fora do colégio, pratica ténis de mesa, é voluntário na Associação de Paralisia Cerebral, e dedica-se à música. Depois do piano – toca peças de Bach, Mozart e Beethoven, por exemplo – passou à guitarra eléctrica e explora alguns sons mais recentes, de bandas como Pink Floyd, Queen ou os quase esquecidos Barclay James Harvest.

A electrónica e o enxame de DJ que agora povoam os ouvidos das pessoas da idade dele dizem-lhe pouco: “O problema da música feita por computadores é que lhe falta uma certa emoção”. À música dos números – tem preferência pela engenharia mecânica no futuro, por combinar a matemática, a física e a química – pode até, quem sabe, seguir-se a das melodias. “Não me importava de ser músico”. Quem sabe… 

Fotografia: Miguel Silva/SOL

ricardo.nabais@sol.pt