Uma casa bracarense

Dom Diogo de Sousa foi um arcebispo renascentista que quis transformar Braga numa espécie de Roma, imprimindo-lhe uma dinâmica renovadora e expansionista – que instituiu como pontos de referência urbana as praças e os campos.

Por exemplo, o Campo de Santana – onde se situa a actual Avenida Central – foi traçado nessa época, tendo como marcos delimitadores o Convento dos Congregados e o Recolhimento das Convertidas. 

Foi em frente às Carmelitas, do outro lado do largo, que a família Rolão, ligada ao comércio das sedas, erigiu a sua casa, entre 1758 e 1761. E numa era de exaltação do barroco e das fachadas cenográficas, a casa da família Rolão não podia ficar alheia ao gosto dominante. Embora não existam documentos que comprovem a sua autoria, esta obra – pelo desenho das molduras das portas e janelas, e pelas pilastras que ladeiam o edifício – tem sido atribuída a André Soares, arquitecto incontornável do barroco bracarense e responsável pelas grandes obras desse período. Nomeadamente, foi o autor do edificado mais relevante desse Campo de Santana. 

Em 1977, a Casa Rolão foi classificada como Imóvel de Interesse Público, o que não impediu a sua degradação acelerada, sobretudo no tempo em que foi sede distrital de um partido político. 

Posteriormente, de 1990 a 2005, foi local de ensaio e de gravação para os Mão Morta. Por exemplo, a sala do primeiro andar onde actualmente trabalha o artista digital João Martinho Moura foi onde os Mão Morta compuseram o seu terceiro álbum, O.D., Rainha do Rock & Crawl. 

E em 1995 serviu de régie para a gravação de Mão Morta Revisitada, sendo o estúdio na sala ao lado (que hoje serve como local de concertos e performances da livraria Centésima Página, que desde 2005 ocupa todo o rés-do-chão). E, no que é hoje o principal espaço da livraria, foi em 1992 composto o Mutantes S.21… 

Nos fundos, a editora Cobra – que ainda hoje tem a sua sede numa das salas do primeiro andar – construiu em 2003 um estúdio de gravação, onde, para além do disco Nus, dos Mão Morta, foram gravados os álbuns dos Big Fat Mamma ou dos Sloppy Joe, onde pontificava Marta Ren. 

Mas toda esta actividade musical, que coexistiu com outras ocupações do imóvel – por exemplo, durante vários anos esteve instalado nas salas nobres do primeiro andar um ateliê de arquitectura e, durante dois ou três anos, funcionou em parte do piso térreo uma escola de pintura -, foi interrompida com a chegada da dita Livraria Centésima Página e a necessidade de serem efectuadas obras de fundo no edifício degradado. 

Os Mão Morta transferiram-se então para o complexo de salas de ensaio disponibilizado pelo município às bandas bracarenses, sob a bancada nascente do Estádio 1.º de Maio, e a Casa Rolão ganhou a sua presente ocupação. 
E não podia ter melhor destino – o de albergar milhares de livros e milhares de histórias numa das mais bonitas livrarias do mundo!