Não há volta a dar. O seu nome é conhecido por ser responsável pelo guarda-roupa da primeira-dama, Maria Cavaco Silva. Mas Carlos Gil tem consciência que este pode ser um título difícil de gerir perante o elitista mundo da moda. «A minha vida é feita de desafios e eu considero que, para qualquer estilista, vestir a primeira-dama do seu país é uma honra. Claro que sei que não posso fazer tudo o que quero, mas aí é que as pessoas podem ver o jogo de cintura que posso ter ao vestir uma primeira-dama – que exige, ao nível protocolar, um estudo exaustivo – e ao apresentar uma colecção que nada tem a ver. Só estou a demonstrar que sou polivalente».
Foi justamente isto que quis provar quando, no passado sábado, subiu pela primeira vez à passerelle da ModaLisboa para apresentar a colecção Match Point.
«Era muito importante estar na ModaLisboa. Já tenho 16 anos de carreira e quis festejá-los aqui. Para mim, não fazia sentido aceitar projectos internacionais sem abraçar as duas grandes plataformas de moda em Portugal. Já estava no Portugal Fashion, faltava-me a ModaLisboa». Agora, o designer sente que se pode dedicar plenamente à internacionalização, tendo em vista mercados como o Brasil e o Dubai, Angola e Moçambique.
De resto, Moçambique seria sempre um país fundamental no percurso de Carlos Gil. O designer de 46 anos nasceu em Nampula e lá viveu até aos sete anos, altura em que a família regressou a Portugal e se instalou no Fundão, onde ainda hoje vive. «Tenho muito boas recordações de Moçambique, vivi momentos intensos em África e depois claro que senti alguma revolta quando viemos para Portugal, mas dada a educação dos meus pais depressa ultrapassei essa revolta. Hoje vejo o Fundão como uma cidade que sempre me apoiou e onde há uma grande paz de espírito».
Apesar de não ter vivido nenhuma epifania, Carlos Gil reconhece que o gosto pela moda poderá ter tido a sua génese ainda em África, ao ver a mãe arranjar-se para os inúmeros bailes. «Nos anos 60, em Moçambique, havia muitas festas e lembro-me que a minha mãe vestia vestidos compridos e luxuosos. Isso provavelmente trouxe-me algum bichinho. Além do facto de, em casa, ganharem as mulheres, porque tenho duas irmãs».
Ainda assim, aos 16 anos veio para Lisboa estudar Psicologia. Depressa percebeu que essa opção fazia «pouco sentido» na sua vida e não foi fácil informar a família acerca da mudança de planos. «Foi um desgosto porque na minha família todos eram médicos ou professores e gostavam que fosse essa a minha via. Há 20 e tal anos, dizer que queria seguir artes, ainda para mais moda, era um pouco louco. Mas tive sempre o apoio da minha mãe». Curiosamente acabaria por ter quatro anos da disciplina de Psicologia do Vestuário no curso de Design de Moda, na Escola de Moda do Porto.
Terminado o curso começou por trabalhar na indústria, mas acabou por se render ao ensino, tendo sido professor de desenho sete anos no secundário e no ensino especial. Hoje continua a dar aulas, mas de desenvolvimento de colecção e projecto de moda no CIVEC. «Acabei por satisfazer a família». Em paralelo, ia trabalhando como designer, primeiro em casa e, a partir de 1998, no seu ateliê. «Comecei por trabalhar para amigos e conhecidos que me iam pedindo peças. Depois comecei a namorar com aquela que hoje é a minha mulher, a Carla, e foi ela que se tornou a grande impulsionadora para eu abrir o meu ateliê. Ainda hoje, a minha área é a artística, para tudo o resto é ela a chave do ateliê».
Convidado, de início, para participar em desfiles de autarquias, depressa passou a organizar, em nome próprio, um desfile anual em Lisboa, para embaixadoras e embaixatrizes acreditadas em Portugal. Foi na sequência desta iniciativa, e através da fadista Katia Guerreiro, que, em 2006, foi convidado para colaborar com Maria Cavaco Silva. Três anos mais tarde, fez a sua estreia na passerelle do Portugal Fashion, de onde nunca mais saiu.
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