A epidemia tomou conta da África Ocidental nos últimos meses e a Serra Leoa é neste momento, a par da Guiné-Conacri e da Libéria, um dos países mais atingidos. O futebol está suspenso desde Agosto e a selecção anda de país em país para poder disputar a fase de apuramento para o Campeonato Africano das Nações (CAN).
‘Sentimo-nos como lixo’, diz jogador da Serra Leoa
Por ordem da Confederação Africana de Futebol (CAF), os jogadores da Serra Leoa foram banidos do próprio país «até nova ordem» e obrigados a jogar sempre no terreno dos adversários. Há duas semanas, defrontaram duas vezes os Camarões em Yaoundé, a capital deste país. O jogo que deveriam ter disputado em casa realizou-se assim a mais de 1500 quilómetros de distância.
Ali sofreram na pele a discriminação por causa do medo do ébola. As reclamações de hóspedes forçaram o cancelamento da reserva num primeiro hotel e a mudança para outro mais isolado, foram sujeitos a constantes medições de temperatura corporal e não escaparam à escolta policial. E, segundo os próprios, foi ainda pior nas deslocações ao Congo e à Costa do Marfim. Já a selecção das Seychelles preferiu ser desqualificada a receber a visita da Serra Leoa.
"Sentimo-nos humilhados, como lixo, dá vontade de bater em alguém", afirmou John Trye, o guarda-redes suplente, ao The New York Times. "Ninguém quer ter ébola no seu país. A Serra Leoa está a lutar, mas esfregam-nos com isto na cara. Não é justo".
A sombra do ébola, que já fez 4922 vítimas mortais desde o início do ano entre mais de 10 mil infectados em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), põe em risco a realização da fase final do CAN-2015. A propagação do vírus é cada vez maior e estima-se que até ao final do ano a contagem aumente para 10 mil casos por semana.
Um cenário que levou Marrocos, próximo anfitrião do maior evento desportivo em África, a disputar entre 17 de Janeiro e 8 de Fevereiro de 2015, a solicitar o adiamento da prova para 2016.
"O futebol é apenas um jogo e não podemos jogar com a saúde dos marroquinos", justificou o ministro da Saúde Houssaine Louardi, acrescentando que "não existe risco zero quando se trata de ébola". Ainda para mais quando são esperados até um milhão de adeptos no país, provenientes dos quatro cantos do continente africano.
Não ao adiamento do CAN
A CAF confirmou o pedido marroquino, mas esclareceu em comunicado que "não haverá mudanças no programa das competições». E não foram meigos na resposta: «As datas do CAN nunca foram alteradas em 57 anos de história e também não vão ser agora".
O Governo de Rabat, porém, insiste em não receber a prova em 2015. E, apoiando-se nas recomendações da OMS, contra-ataca com duas alternativas ao adiamento: organizar antes a edição de 2017 (evitando assim ser acusado de desistir e contornando a ameaça de ver a selecção nacional afastada de todas as competições durante anos) ou renunciar totalmente e assumir as consequências.
"Se a CAF recusar todas os nossos pedidos e sugestões, então seremos obrigados a retirar-nos da organização da CAN-2015 para preservar a segurança dos nossos cidadãos" disse à Reuters fonte ligada ao Ministério do Desporto.
Marrocos também é responsável pela organização do Mundial de Clubes, de 10 e 20 de Dezembro, mas neste caso não se opõe a receber a prova, uma vez que o representante africano será um clube da Argélia ou do Congo (países livres do ébola) e o fluxo de adeptos africanos será bastante menor.
Quanto ao CAN, a três meses do torneio que junta as melhores selecções de África adivinha-se uma lotaria de organizadores. Face ao ultimato de Marrocos, a CAF procura alternativas e terá sondado sete países, entre os quais Egipto, Gana e Sudão.
A África do Sul também fazia parte da lista, mas mostrou-se indisponível. "Digo-vos categoricamente que não vamos acolher a competição", afirmou o ministro do Desporto Fikile Mbalula, alegando razões económicas.
No plano desportivo refira-se que, além de Marrocos, apenas a Argélia e Cabo Verde já garantiram um lugar no CAN-2015. Estas selecções colocam jogadores como Brahimi (FC Porto), Slimani (Sporting), Halliche (Académica), Heldon (Sporting) ou Djaniny (Nacional) numa competição que encerra alguns riscos. Mas o facto de os países mais afectados pelo ébola estarem mal classificados nos vários grupos de apuramento pode aliviar a tensão criada pelo vírus.