Há uma frase que fica da projecção: «os ideais são pacíficos, a história é violenta». Fúria é um filme fora de tempo se pensarmos que Hollywood já fez todas a abordagens possíveis ao tema da Segunda Guerra Mundial. Faltava ver essa guerra a partir de um tanque, um pelotão de soldados americanos que já quase no final desse conflito tem como missão atacar os nazis dentro da própria Alemanha, acelerar o fim da guerra. Apesar de estarem em desvantagem, com poucas armas e cada vez menos homens, basta-lhes a coragem e um tanque. São liderados por um destemido sargento Brad Pitt que quer levar a sua pequena equipa até ao fim da missão, no confronto nem sempre fácil entre o medo e a coragem.
Quando se pensa neste tema tratado por Hollywood vêm logo à cabeça várias obras marcantes de realizadores como Sam Peckinpah ou Samuel Fuller, se quisermos andar mais perto na produção recente, temos o notável trabalho de Steven Spielberg, O resgate do soldado Ryan. Fúria vai lá buscar influências: não resulta numa obra-prima mas é no entanto um filme esforçado e eficaz no resultado. Brad Pitt assume também o papel de produtor, foi talvez uma garantia para reunir apoios, os 65 milhões de euros que custou a produção. Como parceiros de negócio, o actor conseguiu além de fundos americanos, investimento chinês e do Reino Unido onde as filmagens decorreram durante vários meses. No desvendar do processo de preparação Brad Pitt, já na passadeira vermelha explicou-nos o que custa rodar um filme destes: – «Tivemos um treino intenso de três meses. Houve necessidade de aprender a mexer em tudo o que está dentro do tanque, faze-lo funcionar. Desde logo aprender a ter agilidade de gazela para entrar e sair de dentro de um monte de ferro desconfortável. Nada fácil, pode parecer mas não é! Decididamente um tanque não é feito para ser confortável, é uma máquina de guerra. Lembro-me que quando chegámos ao primeiro dia de filmagens, já parecia o sexto ou décimo porque já andávamos naquilo há algum tempo, tínhamos as personagens dentro de nós. Foi um curioso trabalho imersivo o que dá mais realidade a toda a representação».
Michael Penã, um dos bravos deste pelotão, foi também um dos que fez a recruta para o filme. Não havia estrelas nesse treino militar e Brad Pitt foi tratado de igual forma. «Começámos com treinos intensos, naquelas semanas de recruta, depois treinávamos e encenávamos luta entre nós, como boxe e defesa pessoal. Havia muita pressão para estarmos bem nos papéis. Para mim, foi o meu segundo filme com o David Ayer e, por isso, apesar de já conhecer bem o seu método de trabalho foi sempre uma exigência maior. A pressão adicional tornou a coisa mais dura mas ainda bem. É verdade que desenvolvemos tudo dentro de uma grande segurança, sabemos que ninguém dispara balas de verdade contra nós, mas no ambiente do filme estávamos perfeitamente por dentro da acção. Sentia-mos esse clima que se criava para cada cena».
O mais jovem do grupo, Logan Lerman, empresta com o seu desempenho verosímil, a dimensão do medo em ambiente de guerra. Para ele que anda no cinema desde os seis anos de idade, esta foi a personagem mais dura e difícil: «Havia dias em que estávamos exaustos fisicamente. Dormíamos pouco durante essa experiência. Lembro-me que estávamos sempre a ir abaixo e depois a recuperar lentamente como se tudo aquilo fosse real. Entre nós existia e criou-se mesmo um clima de amizade muito próxima, apoiávamo-nos uns aos outros e isso foi único neste processo de transformação ao longo do filme».
Para o realizador e argumentista David Ayer este é o seu quinto filme e o mais complexo – foi ele o general desta guerra imprimindo a uma boa parte das cenas uma intensidade e grande realismo. Na conversa fica uma ideia muita clara sobre a vontade de contar esta história, apesar do risco que correu em fazer mais um filme sobre a Segunda Guerra. Ayer cresceu a ouvir os avós a contarem as aventuras da guerra na Europa.
«A minha família lutou na Segunda Guerra. Sempre fui um jovem fascinado pelo tema. Na pesquisa que fui fazendo percebi que ninguém tinha feito um filme sobre um tanque e o pequeno grupo de homens que fazem a guerra naquele espaço tão reduzido. Ver esse conflito a partir da visão dos aliados dentro de um tanque pareceu-me uma abordagem interessante. Fiz imensa pesquisa. É um cenário dramático, temos cinco homens dentro de uma caixa de ferro, um caixa bastante apertada para esses soldados. No fundo, eles não têm onde se esconderem uns dos outros. O inimigo é realmente a sua própria alma exposta ao medos. O inimigo é a dor nos seus corações que a própria guerra colocou dentro deles , forçou-os a estar ali. Ter Brad Pitt a liderar um pelotão assim foi fantástico. É um cenário fantástico para encenar um drama».
É quase certo que poderá chegar às nomeações para os Óscares em categorias mais técnicas, mas isso só lá para Janeiro, na altura das outras guerras de Hollywood. É curioso ver que o tema continua a dar pano para mangas aos argumentistas, muitas décadas depois do fim do verdadeiro conflito que mudou o mundo. O sargento tinha razão ao dizer ‘os ideais são pacíficos, a história é violenta e o cinema gosta disso’.