“São mortes silenciosas. É tudo tão suave e rápido que as pessoas nem se apercebem”, diz ao SOL o adjunto de comando dos bombeiros de Manteigas, Francisco Santos, que se recorda bem do que viu em Abril de 2012 quando chegou ao Bairro do Alardo e se se deparou com este idoso carbonizado. Segundo Francisco Santos, a lareira era antiga, não tinha protecção e a queda resultou da inalação do monóxido de carbono. Mas como a vítima vivia sozinha, o alerta acabou por ser accionado por um vizinho que, ao sair de madrugada para o trabalho, se apercebeu do cheiro intenso a queimado.
Outro caso semelhante também ficou na memória do bombeiro Francisco Santos: o casal de idosos que morreu sentado à mesa: “Morreram por inalação do fumo da braseira que tinham debaixo da mesa. Nem sequer tinham queimaduras no corpo”.
As mortes de idosos dentro de casa devido a problemas com lareiras são comuns, diz João Pinheiro, vice-presidente do Instituto de Medicina Legal, que analisou 49 autópsias de idosos vítimas de incêndio na residência realizadas ao longo de 27 meses, entre 2012 e 2014. “Mas, garantidamente, estes números pecam por defeito porque há casos em que o Ministério Público dispensa a realização da autópsia”, assegura ao SOL.
João Pinheiro considera que, “em bom rigor médico-legal”, as mortes por incêndio – ao ar livre ou dentro de casa – deviam sempre merecer um “especial cuidado na investigação, pois podem mascarar suicídios por imolação ou até mesmo homicídios”.
O especialista forense diz que nos incêndios analisados as queimaduras resultaram quase sempre de “quedas para a lareira”. Aqui incluem-se não só as quedas propriamente ditas, mas também outros acidentes, por exemplo, “alguém que foi pôr uma lenha no lume e queimou parte da roupa”.
Apesar de a queimadura nem sempre estar na origem da morte, a média da superfície corporal queimada nos casos analisados é grande: 65,5%. Ou seja, os idosos caem e morrem por inalação mas o seu corpo acaba por ser consumido pelo fogo.
Maioria tem mais de 75 anos
Na análise que fez às autópsias, João Pinheiro concluiu ainda que 28,5% das vítimas morreram de complicações associadas. Em seis situações (12,2% dos casos) a causa da morte foi intoxicação simples por monóxido de carbono e não directamente a queimadura.
“As vítimas são idosos que vivem sozinhos ou com outros idosos, com limitações de doença, estão em cadeiras de rodas ou têm problemas de saúde mental”, diz João Pinheiro, lembrando que a maioria dos autopsiados (80%) tinham mais de 75 anos. “Se não estivessem sozinhos, provavelmente teriam sido socorridos a tempo e não tinham morrido”, acrescenta.
Um dos últimos casos acompanhados por Francisco Santos é a prova de que o socorro imediato pode ditar a vida ou a morte. Como não tinha limitações físicas e estava consciente, a senhora que tropeçou e caiu junto à lareira, conseguiu pedir ajuda e foi assistida a tempo, conta ao SOL o bombeiro. “Nas inalações de fumo, isso não é possível porque as pessoas perdem a consciência, não se dando conta do que está a acontecer”, explica.
Há ainda outros factores de risco identificados no estudo do Instituto de Medicina Legal: em 16% dos casos as vítimas tinham consumido álcool e em 18% ingerido medicamentos, a maioria benzodiazepinas (tranquilizantes) que potenciam os efeitos depressivos do álcool. “Ainda há aquela ideia de que o álcool aquece”, lembra João Pinheiro, sublinhando que quase todos os acidentes ocorreram no norte do país, onde o inverno é mais rigoroso e 85,5% entre Outubro e Abril, altura em que se utilizam mais estes métodos tradicionais de aquecimento.
Os acidentes acontecem em casas antigas, mal ventiladas, com lareiras e braseiros tradicionais –, que têm um vão grande e não possuem protecções – e que são usados para aquecer a casa mas também para cozinhar.
Nos dias muito frios de inverno, os idosos passam grande parte do dia junto ao lume, ficando expostos ao risco da inalação de fumos. Há ainda outro fenómeno que deveria ser tido em atenção, alerta o responsável do corpo de bombeiros de Manteigas: “Nestes meios pequenos, as pessoas têm poucos recursos e estão a usar cada vez mais os recuperadores das lareiras para aquecer água e cozinhar, aproveitando para poupar na conta do gás e da electricidade”.
Autoridades da Saúde e Protecção Civil deixam alerta
Quando começa a época do frio, as autoridades ligadas à protecção civil e à saúde reforçam as recomendações de segurança, em especial as que são dirigidas aos grupos de risco, nos quais os idosos se incluem. A Autoridade Nacional de Protecção Civil sublinha que nas divisões que têm aquecimentos a lenha (lareiras, braseiras e salamandras) “devem ser abertas janelas para permitir fazer a renovação do ar”, de modo a “evitar a acumulação de monóxido de carbono – um gás venenoso que pode ser mortal”.
Também a Direcção-geral da Saúde, na sua página oficial, alerta para “os acidentes por monóxido de carbono que podem ser causa de intoxicação e morte”.
A Protecção Civil deixa ainda outros conselhos para evitar acidentes: proteger a lareira para que não se torne um foco de incêndio, não abandonar velas acesas ou mal apagadas e afastar os aquecedores dos móveis.