Antes de se dedicar ao ‘errotismo’ veja as Novas Palavras Novas

Já ouviu falar na palavra ‘cabídeo’? E no termo ‘cardapiar’? Talvez na expressão ‘acne postal’?… Bom, se calhar não. Isto porque são todas Novas Palavras Novas. 

Esta página no Facebook dedica-se a divulgar uma autêntica miscelânea de palavras que resultam da combinação de termos já existentes. O mais divertido é que estes conceitos existem. Só faltava criar expressões para os definir.

Por exemplo, sabia que ‘dinossábio’ é o substantivo usado para descrever “aquele que possui um conhecimento profundo sobre temas obsoletos, como saber de cor os números do teletexto ou a chave do totoloto da semana passada”? E que 'errotismo' descreve "o prazer ao encontrar erros ortográficos em qualquer frase"? 

O SOL falou com o inventor destas palavras, um redactor comercial de 31 anos que diz ter-se tornado num “Dr. Frankenstein” que criou “uma série de monstros”. A entrevista só por si já é uma autêntica ‘sopa de letras’, mas, como o autor refere, não queremos “impressionar o professor Lindley Cintra nem trocar as voltas ao Priberam”.

Como surgiu a ideia de criar esta página?

No meu trabalho tenho de escrever muito e rever muitos textos, por isso passo o dia a olhar para palavras. Neste processo, demorado e aborrecido, as palavras começam a ficar saturadas – sabe quando olha durante muito tempo para uma coisa e ela começa a ficar desfocada e a perder formas? Ou quando diz muitas vezes uma palavra e ela perde o significado? 

Por isso fui-me divertindo a distorcer palavras, cortar-lhes sílabas, amputar sufixos e enxertar prefixos. Fiz de Dr. Frankenstein e criei uma série de monstros. Quando achei que tinha monstros suficientes decidi partilhá-los com o mundo. O Novas Palavras Novas é o meu ‘monstruário’. 

Onde vai buscar ideias para criar estas novas palavras?

Às vezes lembro-me de uma situação para a qual não existe uma palavra e invento de raiz; outras vezes crio palavras novas a partir daquelas que já existem.

Há ainda casos em que gralhas, erros de português ou conversas que escuto no Metro dão origem a novas palavras ou expressões. 

Por exemplo, acabo de ouvir alguém dizer, “ele faltou-me ao desrespeito”. É uma estupidez dizer uma coisa destas, está errado, mas é divertido pensar no que poderá significar “faltar ao desrespeito” a alguém. Deve ser o equivalente sentimental a “subir para baixo”.

Juntou-se ao Facebook em Setembro deste ano, mas já usava outro meio para divulgar as suas palavras novas?

Não. Até Setembro as palavras estavam trancadas num ficheiro word, escondidas do mundo, a ganhar humidade. A meio de Setembro criei o Tumblr, o Facebook e a conta do Instagram e comecei a soltá-las uma a uma. Tenho palavras, muitas palavras em arquivo e continuo a criar. Mas não sei até quando eu e os leitores vamos ter apetite para estas sopas de letras.

Das palavras que criou, qual é que gosta mais?

Gosto muito de “adasas: o nome que se dá às palavras que se escrevem utilizando apenas uma linha do teclado”, porque é o tipo de brincadeira sem sentido com a qual gosto de perder tempo. 

Por exemplo: com “adasas” podemos criar “adasagramas”, que são pequenas histórias escritas utilizando apenas “adasas”. Aqui vão duas: “A gala das saladas safa as fadas gagá”ou “Que erro por o puto irrequieto torto”.

E há alguma que se tenha arrependido de criar?

Nenhuma. É verdade que 90% delas não tem qualquer utilização prática e não estou a contar que as incluam na nova versão do Dicionário Porto Editora. Não quero impressionar o professor Lindley Cintra nem trocar as voltas ao Priberam. 

Existem assuntos nos quais não toca? Por exemplo, não se importa de criar novas palavras que envolvam questões religiosas ou étnicas?

Religião, futebol ou política não fazem parte do meu vocabulário. 

Como tem reagido o público ‘facebookiano’, do Tumblr e do Instagram às suas páginas?

As pessoas gostam. Partilham, comentam e entusiasmam-se. Às vezes porque as palavras têm piada ou a explicação faz cócegas nalguma parte especial do cérebro, mas a maior parte das vezes as pessoas gostam porque se relacionam com o que é ali descrito. 

Têm os seus pequenos momentos “eureka”, o que só vem mostrar que somos todos muito parecidos e todos – ou quase todos – já tivemos de “pinguinar” (pequena caminhada com as calças pelos tornozelos para ir buscar um rolo novo de papel higiénico).

E fora das redes sociais, já há reacções?

Só algumas pessoas mais próximas sabem que sou eu a fazer isto. Comentam uma ou outra palavra, dizem coisas como “já tiveste mais piada”. 

As pessoas que seguem o seu trabalho costumam fazer pedidos?

Sim, e eu gosto de tentar ajudar. A nossa língua é muito rica mas usamo-la com pouca imaginação. Cedemos facilmente aos estrangeirismos e assimilamos tudo sem adaptar nem uma sílaba. É uma pena. 

Quem é a pessoa que está por detrás desta página? O que pode revelar sobre si?

Não quero revelar muito sobre mim porque não quero ter atenção. No meu dia de anos, por exemplo, costumo tirar o dia de folga para não ter gente à minha volta a dar os parabéns ou a perguntar se há bolo. Prefiro ficar sossegado. Mas posso dizer que tenho 31 anos e sou redactor comercial.

joana.alves@sol.pt