De Schabowski a Merkel, uma história de sucesso com marcas do passado

A Alemanha assinala este domingo o 25.º aniversário da queda do Muro de Berlim com a particularidade de as duas principais figuras do Estado terem vivido os anos da divisão do lado da RDA, a República Democrática Alemã.

De Schabowski a Merkel, uma história de sucesso com marcas do passado

"Ainda hoje, quando passo pela Porta de Bradenburgo, tenho um sentimento de que isto não foi possível durante muitos anos da minha vida e de que tive de esperar 35 anos para ter este sentimento de liberdade", disse na semana passada Angela Merkel.

Tal como Merkel, muitos alemães do leste soviético desejavam passar para o lado ocidental da Alemanha, aquele que após a derrota de Hitler na II Guerra Mundial abraçou a democracia sob supervisão de EUA, França e Reino Unido.

Estima-se que entre 1945, data da divisão do país, e 1961, mais de três milhões de germânicos terão fugido da RDA rumo à República Federal Da Alemanha (RFA). A maior parte deles terão recorrido à 'ilha' que representava Berlim Ocidental dentro do território da RDA, em busca das oportunidades do lado ocidental da cortina de ferro que dividia a Europa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Infografia de Óscar Rocha)

Foi essa a razão da construção de um muro que dividiu a cidade irremediavelmente durante 28 anos. Até que, fragilizado pelas consequências da Perestroika de Mikhail Gorbachov, pela crescente oposição interna e pelos ventos de mudança que sopravam da Polónia e de outros estados-satélites de Moscovo, o regime cometeu uma série de erros que tornaram inevitáveis os acontecimentos da noite de 9 de Novembro de 1989.

Começou com Gunter Schabowski, o porta-voz mal informado que ao ser questionado sobre quando entraria em vigor a emissão de vistos para a passagem da fronteira, que acabara de anunciar, respondeu: "Que eu saiba, imediatamente". E acabou com Harald Jager, o agente da assustadora polícia secreta Stasi que ao comunicar aos seus superiores hierárquicos a imensa multidão que se encontrava no seu posto de controlo, poucas horas depois da comunicação de Schabowski, sentiu-se humilhado por uma resposta que considerava o seu relato exagerado.

Decidiu então abrir a passagem que estava sob a sua guarda, abrindo a porta para que o feito se repetisse nas horas seguintes pelos vários checkpoints dos 155 quilómetros de muro.

Menos de um ano depois, em Outubro de 1990, a Alemanha voltava a ser apenas uma e desde então foram investidos mais de dois biliões de euros na antiga RDA, a maior parte numa reconstrução que ficara por fazer desde o final da guerra. 

Tido como um “um anticomunista incorrigível” nos ficheiros da Stasi com o seu nome, Joachim Gauck vê-se hoje como Presidente de uma Alemanha onde os cidadãos têm acesso a uma vida que "inúmeras pessoas no mundo só podem desejar ou sonhar ter".

Os dois líderes são representantes do sucesso de uma reunificação que num quarto de século devolveu ao país o estatuto de potência global, personificado na liderança de Angela Merkel na União Europeia, patrocinada pela robustez da economia germânica. 

Mas internamente persistem algumas marcas do muro ideológico que dividiu o país durante 45 anos. “O Leste continua a ser um dos locais menos religiosos do planeta”, escreveu recentemente o Die Zeit nas conclusões de um estudo realizado com o Instituto de Ciências Sociais de Leibniz.

Numa escala de zero a sete, os alemães de Leste que responderam ao inquérito avaliaram a sua dimensão religiosa em 3,06. Do outro está nos 5,2, apesar da queda em relação aos 5,88 de 1992.

E este não é o único muro cultural que sobrevive ao passar dos anos. O Gabinete Estatístico do Governo Federal mostra que no lado ocidental o casamento é o pilar de 74% das famílias, enquanto no Leste esse valor é de apenas 51%. A outra metade das famílias orientais é constituída por pais solteiros (27%) e uniões de facto (21%).

Apesar de a disparidade económica ter diminuído nos últimos anos entre Leste e Oeste (que vai dando lugar a uma divisão Norte-Sul), esta ainda não desapareceu: o desemprego ronda os 9% nos antigos Estados do Leste e os 6% no Ocidente, enquanto o PIB e os rendimentos familiares a oriente representam dois terços dos valores registados no lado oposto.

nuno.e.lima@sol.pt