Apanha-me… se puderes

Quando se aventurou pelas ruas do centro de Lisboa com o objectivo de distribuir gratuitamente o seu trabalho, Miguel, de 24 anos, mais conhecido no universo do graffiti como Edis One, nunca imaginou que as palavras ‘Grátis/ Free’ provocassem tanta desconfiança. Mas foi exactamente isso que encontrou.

Apanha-me… se puderes

O projecto Catch the Art nasceu do desejo de Edis One devolver à rua o que a rua já lhe deu. “Queria agradecer à rua o que a rua me deu em quase oito anos a fazer graffiti. E, ao mesmo tempo, queria dar arte aos que não têm possibilidades”. Assim, Edis One pintou 35 tabuleiros e espalhou-os por Lisboa com uma fita de oferta e um letreiro onde se podia ler 'Grátis/ Free'. “Inicialmente pensei em pintar telas, mas seria um cliché. Depois ocorreu-me fazer objectos do dia-a-dia porque, assim, quem levar para casa um tabuleiro pintado por mim, não só vai ter em casa uma peça minha, como a vai usar na sua vida quotidiana”. Aquilo com que não contava era com a 'nacional desconfiança': “Nas primeiras duas horas no Chiado só distribuí dez tabuleiros. As pessoas olhavam, mas não levavam. Acho que pensavam que ia saltar alguém para os assustar ou que iam acabar num programa de apanhados. A grande maioria das pessoas perguntou por que estava a dar e não a vender. E tive um senhor que me disse: 'Sabe, quando a esmola é grande, o pobre desconfia'“.

Miguel cresceu no bairro de Telheiras, em Lisboa, e foi ali que se habituou a ver os mais velhos aventurarem-se a levar cor, através do graffiti, às paredes dos prédios, aos comboios e às caixas de electricidade. Em 2007, resolveu comprar as suas primeiras latas de tinta e fazer-se à rua. Trocou o nome de Miguel por Edis One e foi encontrando a sua linguagem no graffiti. Como tantos outros writers (nome dado a quem pratica graffiti), Miguel começou por pintar tags – ou representações gráficas do seu nome, Edis One. Foi crescendo enquanto writer e trabalhando, em paralelo, na área do design gráfico, na criação de sites, na pintura e na fotografia.

Apesar da experiência que foi ganhando nas ruas, aos 19 anos quis prosseguir os estudos e acabou por se licenciar em Design no IADE – Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing, curso a que acrescentou uma especialização em Design Industrial, feita na University of Applied Arts, em Viena, na Áustria.

No regresso a Portugal – e depois de ter acumulado ainda mais experiência a pintar noutros países como Holanda, Espanha e EUA – conseguiu, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e a Galeria de Arte Urbana, legalizar seis paredes em Telheiras para a prática de graffiti. Estas paredes depressa se tornaram um ponto de encontro para a comunidade do graffiti. Em simultâneo, Edis One criou a empresa Tumusu Crew, através da qual já deixou a sua marca em colaborações com marcas como a Portugal Telecom, a Microsoft ou o Benfica. O graffiti tornou-se oficialmente a sua profissão. E a lata de tinta a sua “melhor amiga”.

Distribuídos os 35 tabuleiros, Edis One inaugurou, no passado dia 9, a exposição Catch the Art, na Primeira Arte Atelier&Gallery, um espaço em Odivelas dedicado à cultura hip hop. Na sua primeira mostra individual deu a conhecer parte do seu trabalho em termos de murais, mas também de quadros. Além disto, apresentou o que filmou durante a distribuição dos tabuleiros nas ruas de Lisboa. Desconfianças à parte, o jovem writer pretende continuar a pintar objectos que fazem parte do quotidiano de todas as casas. E a oferecer o seu trabalho. 

raquel.carrilho@sol.pt