Um feito inédito na ginástica artística portuguesa, como já tinha sido o 16.º lugar no Campeonato do Mundo no concurso all-around, prova que reúne todas as especialidades – saltos, trave, paralelas assimétricas e solo – e distingue as atletas mais completas. Nunca uma ginasta portuguesa tinha disputado sequer a final, na qual participam as 22 melhores.
Um mês depois dessa proeza na China, Filipa Martins foi no passado fim-de-semana à Colômbia vencer a última etapa da Taça do Mundo de 2014, na prova de paralelas assimétricas. E a medalha de ouro em Medellín permitiu-lhe vencer o circuito mundial da especialidade.
“Foi uma sensação incrível. Pela primeira vez fiz soar o hino nacional fora de Portugal”, soltou Filipa Martins ainda na Colômbia, onde também arrecadou a medalha de bronze na prova de solo.
Troféu teve de vir aos pés no avião
Além de um prémio monetário a rondar os 1100 euros, a Federação Internacional de Ginástica (FIG) vai agora pagar-lhe a inscrição e a estadia em todas as etapas da Taça do Mundo em que queira participar no próximo ano. Só as viagens continuam a cargo da Federação Portuguesa de Ginástica.
“Valeu a pena vir à Colômbia”, salientou a ginasta, que viajou directamente para Barcelona – onde participou no 37.º Memorial Joaquín Blume, a sua última prova da temporada a nível internacional.
As dimensões do troféu da Taça do Mundo apanharam-na desprevenida. E em conversa telefónica desde a Catalunha, Filipa Martins descreve ao SOL como teve de improvisar para não o deixar do outro lado do Atlântico: “Tive de o trazer aos pés no avião. Nem sequer tínhamos uma caixa para o pôr no porão. E também tinha medo que ficasse amassado”.
As viagens ao estrangeiro já se tornaram rotina. Assim como já é hábito descansar apenas um dia por semana. Nos outros seis, a ginasta nascida no Porto nunca treina menos de três horas e meia. Quando há sessões de manhã e à tarde, chega a passar mais de cinco horas a aperfeiçoar os esquemas.
Antes das grandes competições, Filipa intensifica ainda mais a preparação. Passa menos tempo nas instalações do clube e muda-se para o Centro de Alto Rendimento em Sangalhos, onde durante meses enfrenta treinos bidiários.
Não há esforço sem mazelas e o corpo já lhe pregou duas partidas. Depois de muitas entorses no tornozelo, teve de ser operada a um pé, mas o pior foi quando partiu a mão e teve de parar um mês. “Estava a fazer um exercício de solo e correu qualquer coisa mal. Tropecei e catrapum”.
Aluna de boas notas no ensino secundário, Filipa Martins diz estar a ser mais difícil conciliar os estudos com a ginástica. Neste ano lectivo ingressou no curso de Ciências do Desporto, na Universidade do Porto, e mal conhece os professores.
“Só fui uma semana às aulas. Não sei se consigo aguentar a carga dos treinos e da faculdade”, lamenta, admitindo que a solução para salvar o ano é recorrer à época de exames: “Quando chegar a Portugal vejo isso. Neste momento dou prioridade à ginástica porque estou próxima dos Jogos Olímpicos”.
A nova promessa da ginástica nacional integra o programa de bolsas do Comité Olímpico de Portugal tendo em vista os Jogos de 2016 – recebe 900 euros por mês – e aposta forte em disputar uma final no Rio de Janeiro. Para já terá de trabalhar para garantir o apuramento, que estará em jogo no Mundial do próximo ano, em Glasgow.
Os êxitos recentes também já lhe valeram o primeiro contrato de patrocínio com uma marca de roupa. Nada que iluda Filipa Martins, consciente de que “é impossível viver da ginástica”. Mas, já que não desistiu aos dez anos, quando via “as amigas irem ao cinema” e ela “sempre nos treinos”, agora quer perceber até onde pode chegar.