De ‘miúdo simples’ à jihad

 “Era um miúdo calmo e muito humilde”. João Cardoso, presidente da Juventude Operária de Monte Abraão (clube desportivo da cidade de Queluz), lembra-se bem de Sandro Monteiro – o português de 36 anos que morreu, no último mês, em combate na Síria, ao serviço do autoproclamado Estado Islâmico.

De ‘miúdo simples’ à jihad

“Jogou aqui dois anos. Era muito bom jogador, tanto que foi 'repescado' pelo Sporting”, diz João Cardoso, que não encontra explicações para a radicalização do jovem de ascendência cabo-verdiana. “É tudo muito estranho. A cabeça dele deu uma grande volta”.

Na freguesia de Monte Abraão (Sintra), onde Sandro cresceu, a notícia da sua morte chocou os amigos que com ele conviveram de perto. Ninguém compreende o que levou 'Funa', como era conhecido, a aderir à jihad.

 “Fiquei incrédulo. Era uma pessoa meiga, pacífica e que nunca criou conflitos”, comenta, sob anonimato, um amigo e colega de escola. “Não estou a vê-lo agir por dinheiro. Só podem ter-lhe feito uma lavagem cerebral”.

Nada no percurso de Sandro fazia prever uma mudança radical que o levasse a um campo de batalha. Apaixonado por música e futebol, interrompeu a escola para tirar um curso profissional de hotelaria. Chegou a trabalhar no bar de um hotel e em restaurantes.

Vivia com a mãe, a avó materna e uma irmã mais velha – que a dada altura foi viver e trabalhar para Londres. O irmão acabou por seguir-lhe as pisadas, em 2007. E foi aí que se deu a conversão ao Islão e mais tarde a adesão à causa jihadista que o fez partir para a Síria, onde morreu durante um bombardeamento.

No bairro onde cresceu, ninguém quer falar do assunto. Muitos nem sabem o que é o Estado Islâmico. “Só sei que morreu por lá. Já não o via há muitos anos”, diz o dono de um café.

O SOL sabe que Sandro, que tinha partido para a Síria há cerca de nove meses, voltou já depois disso a Portugal, onde esteve pela última vez há seis meses, para visitar a mãe.

Tal como ele, outro dos cerca de 12 portugueses alistados no Estado Islâmico esteve recentemente em território nacional, há cerca de um mês, tendo sido vigiados pelos serviços de informações. Também Fábio Poças, jovem de 22 anos oriundo da zona de Mem Martins e que agora se chama Abdu Rahman, já esteve em Portugal depois de se ter radicalizado em Londres e de ter partido para a frente de combate na Síria. Vários jovens da linha de Sintra conhecem-no bem e comentam a sua história.

Todos foram acompanhados pelos serviços de informação ingleses, que alertaram os congéneres nacionais. E desde então os dois países têm trocado regularmente informações sobre quem são os jihadistas portugueses, vigiando de perto as suas movimentações.

Governo vai alterar lei

Mas, até hoje, nenhum foi interceptado ou detido. Isto apesar de a lei antiterrorismo, aprovada em 2003, punir quem apoiar ou aderir a organizações terroristas (pena de prisão de oito a 15 anos). “As autoridades podem actuar, se souberem que estes jovens estiveram lá e colaboraram com o Estado Islâmico”, explicou ao SOL um penalista, sublinhando que a lei é universal, ou seja, “aplica-se independentemente de a organização ser nacional ou estrangeira”.

Há, no entanto, um “problema de ordem prática”, ressalva José Góis, procurador da República coordenador da 1.ª secção criminal da Instância Central de Lisboa: “Não basta suspeitar que fazem parte de uma organização. Para se imputar este crime a alguém e condenar essa pessoa em tribunal, é preciso fazer prova disso, com factos concretos”.

O ex-ministro da Administração Interna disse que estão a ser preparadas alterações à lei. “Estamos a terminar um conjunto de trabalhos, que espero poder brevemente apresentar, que têm a ver com alguns pequenos ajustamentos necessários na nossa legislação”, anunciou há uma semana Miguel Macedo.

No dia 11 de Novembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhou no Parlamento que o Governo está a seguir as orientações da ONU nesta matéria. “A prevenção do recrutamento e da radicalização de novos combatentes terroristas em Portugal encontra-se já a merecer atenção particular”, afirmou Rui Machete, referindo “medidas administrativas, no domínio penal e da segurança interna”.

SEF não sabe quem são

A detecção de rotas, a dissuasão e o impedimento de viagens suspeitas foi, aliás, uma das medidas recomendadas em Agosto pelo Conselho Europeu. A verdade é que nas fronteiras aéreas nacionais o controlo é praticamente inexistente. Ao que o SOL apurou, no SEF – entidade com competência para actuar nesta matéria, além do SIS e da Polícia Judiciária -, os inspectores que trabalham nos aeroportos ainda nem dispõem, na sua base de dados, de qualquer informação sobre a identidade dos jihadistas portugueses, nem tão-pouco sabem se são alvo de vigilância discreta por parte dos serviços de informações. 

sonia.graca@sol.pt