A internacional islâmica

O internacionalismo ideológico contemporâneo nasceu com a idade das ideologias. Com a Revolução Francesa e as suas consequências – como tão bem contou Victor Hugo, num romance que tive a sorte de ler em miúdo, Quatrevingt-treize (O Noventa e Três) –, Paris tornou-se o centro da agitação antimonárquica e anticatólica na Europa, onde convergiam e…

Napoleão teve várias Legiões Estrangeiras e até uma Legião Portuguesa. A contra-revolução e a reacção internacionalizaram-se também rapidamente e os emigrados realistas acolheram-se à protecção de Londres e das cortes europeias e, a partir de lá, participaram em invasões, em guerrilhas, em expedições anti-republicanas. Vindos de Londres, tivemos nas nossas guerras civis voluntários liberais no Mindelo; depois, de França, vieram generais legitimistas de D. Miguel (como Bourmont, o conquistador de Argel). E por todo o século XIX, os combatentes ideológicos, um misto de militantes políticos e de mercenários, de idealistas e de contratados, apareceram em força nas guerras civis europeias e americanas, de combatentes garibaldinos a zuavos católicos pontifícios.

Mas é o século XX, com as suas ideologias cosmocráticas, o tempo e a terra de eleição do internacionalismo. Comunistas e fascistas – e até democratas –, empenhados numa luta global, estavam dispostos a fazer de cada país e de cada causa um lugar e uma razão de combate. O mais célebre destes conflitos foi a Guerra Civil Espanhola, com as suas Brigadas Internacionais e os seus voluntários europeus e americanos, também nas hostes de Franco.

Mais tarde, no Afeganistão, a jihad anti-soviética, apoiada pela CIA e pelos sauditas, mobilizou muçulmanos de todo o mundo, do Magrebe ao Próximo Oriente. O mais célebre era um jovem milionário saudita, Osama Bin Laden.

 

O autodenominado Estado Islâmico tem vindo a recuperar este espírito. Pondo de parte a sua conotação territorial inicial – Iraque e Síria –, a propaganda do EI usa as redes sociais e os meios e métodos contemporâneos de marketing na difusão de uma mensagem que, sendo fundamentalista e rigorista, exige lealdade plena a um califado ideal. E apela aos voluntários. 

Tendo por alvo as juventudes dos países muçulmanos, mas também as comunidades islâmicas da Europa (isoladas e por vezes discriminadas e hostilizadas, logo com um sentido de orfandade), o Estado Islâmico vem dar-lhes aquele sentido de vida de que todos os da ‘multidão solitária’ parecem sentir a falta. E o seu extremismo, o seu radicalismo, a sua violência, em contraste com o relativismo e o pacifismo anémico dos ocidentais e mesmo dos ‘islâmicos moderados’, acabam por lhes conquistar adeptos jovens, incondicionais e fanáticos. 

É curioso que, na alvorada do século XXI, seja uma causa destas – fundamentalista, passadista, religiosa – a mobilizar estas gerações, mas é assim.