Segundo apurou o SOL, com esta ferramenta as entidades que gerem este parque habitacional – autarquias, na maioria dos casos – poderão ficar ainda a saber se os inquilinos possuem uma casa alternativa, nem que seja no interior do país, onde nunca viveram ou de onde saíram há décadas.
João Carvalhosa, do Comité Português de Coordenação da Habitação Social, acredita que esta plataforma trará ainda à tona outra realidade: “Agregados familiares que têm habitação social atribuída em mais do que um concelho”. Ao SOL, reconhece que hoje as “duplas atribuições” são difíceis de evitar porque as regras variam entre os municípios e não há troca de dados.
Com a lei ainda em vigor, as entidades que gerem este parque habitacional – 3,3% do total das casas do país – já solicitam regularmente às famílias provas dos seus rendimentos, para verificar se têm direito a este apoio e para calcular e actualizar o valor da renda (que pode subir ou descer, consoante os recursos).
Mas no futuro, apurou o SOL, este processo ficará facilitado porque o registo informático, que será gerido pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, incluirá informação sobre as habitações arrendadas nos municípios e a identificação fiscal de todos os elementos do agregado.
2ª habitação exclui direito
O ponto mais polémico desta lei – discutida na Assembleia da República a 2 de Outubro e cuja redacção final foi aprovada na terça-feira da semana passada – tem que ver com a definição de segunda habitação.
A lei impede o acesso ou a manutenção de uma casa de habitação social – o chamado regime de arrendamento apoiado – a quem for proprietário, arrendatário ou detentor de habitação. “Mas uma casa a 300 quilómetros é uma alternativa habitacional para quem vive em Lisboa?” – questiona a vereadora da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa que gere mais de 22 mil casas e um total de 62 mil pessoas.
Ao SOL, Paula Marques explica que o regulamento autárquico exclui pessoas com habitação alternativa na Área Metropolitana de Lisboa ou nos concelhos limítrofes, mas não quem possua uma casa no interior do país. A Associação Nacional de Municípios Portugueses – que deu parecer negativo à proposta do Governo – também levantou esta questão, exigindo a ponderação das condições de habitabilidade e da localização da “segunda habitação”.
O Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia esclareceu ao SOL que “a titularidade de uma habitação em qualquer local do país não determina, por si só, a perda do direito ao arrendamento apoiado” e que caberá ao senhorio analisar e decidir os casos concretos. Isto porque, acrescenta o gabinete de Jorge Moreira da Silva, “o arrendatário pode alegar e comprovar que o prédio ou fracção de que seja titular não está em condições de satisfazer o seu fim habitacional, ou que o direito relativo ao mesmo é detido ou foi adquirido apenas em parte por membros do agregado familiar”.
O Comité Português de Coordenação da Habitação Social também partilha esta visão mais restritiva do acesso à habitação: considera “injusto”, por exemplo, que haja pessoas com casa atribuída “que regressaram à terra onde nasceram e vêm a Lisboa duas vezes por ano”, enquanto outras em situação de carência não conseguem aceder a esse apoio.
Os pedidos de habitação social aumentaram bastante em todo o país desde 2009, na sequência da crise económica. Em Lisboa já estabilizaram, havendo actualmente 2.034 candidatos à espera.
Famílias com rendimentosdão lugar a outras
No que diz respeito ao uso da casa, a nova lei prevê ainda que um inquilino que esteja seis meses sem a usar seja despejado. E abre a possibilidade de se aceder aos consumos de água e luz para comprovar esta situação. Mas os autarcas dizem que este tempo é excessivo e abre caminho à ocupação ilegal – um fenómeno que acontece com regularidade e quase sempre entre pessoas do mesmo bairro, por exemplo com os filhos de moradores que querem sair de casa dos pais. Em Lisboa, esta situação origina despejos “quase diários”, reconhece a vereadora da Habitação.
Outra questão a suscitar dúvidas entre os autarcas tem a ver com as famílias com mais rendimentos. Segundo a lei, se estiverem mais de três anos a pagar a renda máxima – cujo valor não pode ser superior a 25% do rendimento mensal corrigido do agregado – o senhorio pode cessar o contrato. O objectivo é que as famílias que viram os seus rendimentos melhorar dêem lugar a outras em situação de carência. Mas a dúvida é a partir de quando se contabiliza esse período.
O Ministério esclarece que não será necessária a celebração de novo contratos. Estes duram dez anos e podem ser renovados por períodos de dois. “A contagem do prazo do contrato inicia-se na data de entrada em vigor da lei”, adianta a tutela. Em relação à rotatividade dos fogos sociais – saída de umas famílias para dar lugar a outras – o gabinete de Moreira da Silva afirma que este é o espírito da nova lei. Mas isso só ocorrerá se, “nos três anos que antecedem o termo do contrato ou a sua renovação, se verifiquem duas condições cumulativas: o inquilino esteja a pagar a renda máxima e essa corresponda a uma taxa de esforço igual ou inferior a 15% do rendimento mensal corrigido do agregado”.
A tutela tem garantido também que a renda não sofrerá grandes alterações, pois a nova fórmula de cálculo inclui aspectos favoráveis às famílias, como a dimensão e as características do agregado.