Não se trata dessa entrada tipo sopa, engrossada com farinha, que servem em malgas na cidade do Porto e a que também chamam papas de sarrabulho, mas sim das verdadeiras papas minhotas. Ou seja, de um prato principal, servido em panela directamente sobre a mesa, e em cuja confecção não entra nem pitada de farinha!
O que faz espessar as papas de sarrabulho minhotas são as diversas carnes que as compõem, de galinha e de porco, bem como enchidos e fressuras, tudo cuidadosamente esfiado de modo a ligar-se, ajudado por um pouco de pão, e a dar corpo ao sangue de porco coagulado que dá nome ao sarrabulho. O resto é condimentação: cominhos, cravinho da Índia, noz-moscada e pimenta, muita pimenta, branca, preta, moída e em grão…
Mas se isto já poderia empanturrar uma boca mais sensível, as papas são ainda acompanhadas pelos chamados rojões, que, para além dos ditos cujos – pedaços de carne de porco fritos em banha -, compreendem ainda outras proveniências do animal, como as tripas, os farinhatos às rodelas, o sangue e o fígado, tudo igualmente bem frito, e também castanhas e batatas alouradas aos quadrados.
Ora, começando os restaurantes, com a vinda do Outono, a ter papas de sarrabulho na sua ementa de domingo, começam também as romagens almoçadeiras das famílias pelas capelinhas gastronómicas da sua preferência, a atulharem-se com esta especialidade culinária regionalmente tão apreciada (quanto desconfiada) pelos forasteiros, num ritual que se repete semana após semana até à chegada da Primavera.
E a sua confecção e consumo são tão populares. que nem se consegue apontar um restaurante onde as papas sejam melhores ou piores que noutro: a qualidade é toda ela muito homogénea e elevada!
Mas não é prato para qualquer um. E convém ter-se estômago afeito desde tenra idade a aguentar tamanha sobredosagem de comida, bem como um palato bem treinado para se apreciarem sabores tão fortes e tão condimentados.
É que se trata de uma iguaria difícil de fazer gostar a quem não é minhoto, bastando o facto de levar sangue para afastar grande parte dos curiosos.
No entanto, uma vez iniciados na sua gustação, ficamos reféns do prazer excessivo que proporciona. E ansiosos por repetir a dose, por encher o corpo de carnes e de vinho verde – para depois passarmos a tarde nessa modorra ensonada do fazer a digestão.
E que mais podemos pedir a um prato de Inverno, servido ao domingo, se não que nos deixe suficientemente atordoados para esquecer a morrinha que invade ruas e praças e montes e campos enquanto preguiçamos numa longa sesta embalados pelo crepitar da lareira? Talvez mesmo só uma boa aguardente para ir bebericando…