Mas esta não é, de todo, a peça de Shakespeare, versão redux. É, isso sim, um texto original que aborda o amor e as personagens tão conhecidas com uma nova perspectiva: os actores olham António e Cleópatra contando-nos o que estes estão a fazer, a viver, a sentir. Cabe ao público criar a sua própria visão, a sua própria encenação. “Aqui, o António e a Cleópatra são mais nuvens do que personagens, são mais coisas das quais falamos do que coisas que vemos”, explica Tiago Rodrigues.
Tudo começou pela vontade que o encenador tinha, há muitos anos, de trabalhar com os bailarinos Sofia Dias e Vítor Roriz, dupla em palco e na vida (não só costumam dançar juntos como formam um casal), com quem diz sempre ter partilhado uma paixão pela linguagem. Depois veio a peça.
“Esta é a minha tragédia preferida do Shakespeare, é imperfeita, estranha, mal amada, onde ele arrisca imenso: com a linguagem e as personagens, com a ideia de mulher, com o jogo de poder, político, físico e social”. Por tudo isto, conta o encenador, a peça sempre esteve na pilha das que gostaria de tratar um dia (mas não necessariamente de encenar, até porque considera ainda não ter o estofo teatral necessário para o fazer).
Até que a altura chegou. “Quis desafiar o Vítor e a Sofia para serem intérpretes de uma peça de teatro. E pensei que António e Cleópatra seria perfeito. São também uma dupla, amorosa e que trabalha em conjunto, são políticos e dominam uma parte do mundo juntos. São uma espécie de Romeu e Julieta com muitos anos de vida em cima”, diz o encenador, lembrando que também Elizabeth Taylor e Richard Burton eram um casal.
O resultado é não uma adaptação de Shakespeare, assegura, mas um António e Cleópatra herdeiro de todos os seus antepassados, sobretudo de Shakespeare e Plutarco. Um António e Cleópatra feito de vários romances. Mas com uma morte muito própria.