Uma casa para o design

“Nunca deixei de ter o cartão de aluna do Instituto de Arte, Decoração e Design (IADE) na minha carteira”, confessa Nini Andrade Silva, que ali estudou Design de Interiores e Equipamento, há 30 anos. A madeirense, que em 2009 foi considerada a Melhor Designer da Europa, tendo hoje projectos em países como a Argélia, China,…

Família é, de resto, uma expressão que se ouve regularmente, quando se conversa com alunos, ex-alunos e professores do IADE. Catarina Lisboa entrou no IADE pela primeira vez em 1997. E a verdade é que nunca mais saiu. Foi aluna da licenciatura em Design, de mestrado, tornou-se professora e actualmente concilia com as aulas a coordenação da Agência Escola, uma das Unidades Laboratoriais mais importantes do IADE. Muitos são os alunos para quem os elos de ligação ao IADE se prolongaram muito além do estatuto de alunos. “A dimensão é o segredo. Somos uma universidade pequena e todos nos conhecemos. Há uma grande proximidade e uma política de porta aberta, passamos muitas horas com os alunos, a desenvolver projectos. Noutros sítios existe um grande fosso entre o corpo docente e discente. Aqui não”, explica Catarina Lisboa, acrescentando que hoje pratica algo que aprendeu como aluna: “O ensino não é feito com base no medo, mas na amizade”.

Uma escola cheia de kilts

Por detrás daquela fachada inibidora, num edifício durante anos enjeitado pela cidade de Lisboa, existe uma universidade que se gaba de ser uma espécie de universo paralelo, uma escola inconformada. Desde 1969 passaram pelo IADE mais de 20 mil alunos. Actualmente com três licenciaturas (Design, Fotografia e Cultura Visual, e Marketing e Publicidade), cinco mestrados, um doutoramento e 13 pós-graduações, e uma taxa de empregabilidade que oscila entre os 95 e os 97%, o IADE afirma-se como uma universidade “líder na formação nas indústrias criativas”. Mas o design continua a ser o seu ponto forte. Ainda recentemente a prestigiada revista Ottagono apontou o instituto como “uma das melhores escolas de design da Europa”, a par com a Scuola del Design de Milão e a Elisava de Barcelona.

Aqui e ali encontram-se grupos a discutir trabalhos, a desenhar, a trabalhar no computador, a consultar livros na biblioteca, uma das mais bem apetrechadas bibliotecas no campo do design. Além das salas mais tradicionais, onde acontecem as aulas teóricas, há estúdios de televisão e de rádio, um laboratório de fotografia. Todos os dias por aqui circulam cerca de 1.500 alunos – 12% dos quais estrangeiros, de países como o Brasil, a China ou o México. A maioria, 62%, são mulheres. Saltam à vista os trajes académicos, radicalmente diferentes dos tradicionais, todos pretos. Aqui, desde 94/ 95 que o traje académico é composto por um kilt em tons de verde-garrafa e azul-escuro, resultado de um concurso entre os alunos em que esta pouco convencional proposta se sagrou vencedora.

João Tito Gouveia é um bom embaixador deste traje. E do próprio IADE. Terminou a licenciatura em Design e, aos 22 anos, está no primeiro ano do Mestrado na mesma área. Natural do Funchal, sabia que queria estudar design e que não o queria fazer na Madeira. “O plano de estudos não me agradava muito”. Concorreu à Faculdade de Belas Artes em Lisboa e à Universidade do Algarve. Acabou por ficar colocado nesta última, o que motivou que procurasse outras soluções. “Queria mesmo era vir para Lisboa. Uma conhecida falou-me do IADE, vi o currículo e fascinou-me poder ter experiências em diferentes áreas do design”. Nos primeiros dias, confrontou-se com a sensação de ser um estrangeiro no próprio país. Com um sotaque que suscitava curiosidade, usou isso para conhecer pessoas: “Não conhecia ninguém, mas as pessoas queriam saber coisas sobre a Madeira e fui fazendo amigos logo a partir da primeira semana. Envolvi-me na Associação de Estudantes e o meu objectivo passou a ser receber aqueles que vêm de fora. Ajudar como me ajudaram”. Recebê-los na tal família, no fundo. E sempre orgulhosamente trajado.

Tal como Diana Marques, que apesar de frequentar apenas o segundo ano da licenciatura em Marketing e Publicidade, já faz questão de envergar o kilt do IADE e também já integra a Associação de Estudantes. Aos 19 anos, foi por influência da irmã mais velha, designer e ex-aluna do IADE, que escolheu esta instituição, ainda sem saber bem o que queria estudar. Rendeu-se à sua escolha de curso, mas sobretudo rendeu-se à escola que escolheu. “Vivo em Almada e acordo todos os dias às 5h45 para estar aqui às 8h. Depois acabo as aulas às 13h, mas quase sempre fico por aqui, seja a estudar ou a conviver. É estranho como se pode ter uma ligação tão forte a uma faculdade, mas é a realidade. Mesmo com os professores, claro que há alguns mais temidos, mas temos relações muito próximas com eles”. 

O projecto de um homem singular

O IADE nasceu em 1969, na altura com o nome de Instituto de Arte e Decoração, a exemplo de instituições como a Scuola Politecnica di Design, em Milão. Por detrás de todo este projecto estava um homem singular: António Quadros, filho do líder do Secretariado Nacional de Propaganda do Estado Novo, António Ferro, pensador, crítico, escritor e docente das disciplinas de História da Arte, Cultura Portuguesa e Deontologia da Comunicação. Foi ele que convidou Lima de Freitas para o cargo de primeiro director da instituição (entre 1969/71) e Manuel Lapa e Manuel Costa Martins para professores, sendo que este quarteto fundador depressa transformou o curso de Decoração que marcou o arranque do IADE, no curso de Design e Equipamento Geral. E, desta forma, o IADE tornou-se pioneiro de uma prática para a qual Portugal apenas começava a despertar. “Falar de design ainda era algo estranho”, recorda o actual reitor, Carlos Duarte. “O design começava a afirmar-se como uma área de conhecimento extremamente útil e as pessoas começavam a perceber que tudo é design”.

Em 1971, António Quadros substituiu Lima de Freitas na direcção do IADE, cargo que manteve até 1992, um ano antes de morrer, com 70 anos, ficando para sempre como grande referência da instituição. Nessa altura, coube a António Roquette de Quadros Ferro, um dos seus três filhos – entre os quais se encontra a escritora Rita Ferro –, assumir a direcção do IADE. Antes, porém, já o IADE tinha vivido uma grande transformação, passando a oferecer formação superior através dos cursos de Design (Escola Superior de Design – ESD) e de Marketing e Publicidade (Escola Superior de Marketing e Publicidade – ESMP), bem como um mestrado em Design e Cultura Visual.

Neste momento, o IADE vive aquilo que o seu reitor, Carlos Duarte, considera o terceiro ciclo, que arrancou em 2006 com o Processo de Bolonha e a respectiva reorganização do ensino superior em três ciclos – o grau de licenciado, mestre e doutor. Na sequência desta reestruturação, no final de 2007, Carlos Duarte passou a assegurar a presidência quer da ESD quer da ESMP e, quando em 2012, o Conselho de Ministros reconheceu o IADE como Instituto Universitário, habilitado a conferir licenciaturas, mestrados e doutoramentos, Carlos Duarte tornou-se o primeiro reitor da história desta instituição.

De resto, diga-se que esta é uma espécie de consagração para o docente de 52 anos. Licenciado em Design pelo IADE, fez o doutoramento em Engenharia de Produção, na Universidade da Beira Interior, mas com uma tese sobre Design. Em 1999 regressou ao IADE para leccionar Design Industrial, Ergonomia e Metodologias do Design. Também Carlos Duarte nunca mais saiu do IADE, tendo, entre outros aspectos, ajudado a criar, em 2003, a Unidade de Investigação em Design e Comunicação (UNIDCOM), financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e actualmente um dos grandes pólos nacionais de investigação na área do design.

Com mais de 40 investigadores a desenvolver trabalho através da UNIDCOM, esta unidade divide-se em quatro grandes grupos. Um deles, o UX.Project[On] – Investigação de Design em Experiência do Utilizador, desenvolve, entre outros estudos, o projecto de Eye Tracking, dirigido pela professora Emília Duarte, em conjunto com um grupo de alunos: “Ao nível internacional, os aparelhos de eye tracking já são muito usados, mas em Portugal estamos a começar. No fundo queremos analisar a user experience de coisas como um painel publicitário. Como os óculos e a câmara filmam os olhos, e os olhos denunciam, conseguimos perceber se a mensagem é captada de forma eficaz”, explica Emília Duarte, acrescentando que o futuro do design passa por estes trabalhos de investigação.

Escola de projectos reais

“Somos uma instituição irreverente, com modelos de ensino muito próximos da prática. Queremos os alunos envolvidos em projectos reais”, diz Carlos Duarte. Um dos mais emblemáticos, além da Semana Criativa, é a já referida Agência Escola, coordenada por Catarina Lisboa. O projecto surgiu em 2007, quando a crise começou a dar os primeiros sinais. “Os departamentos de marketing  e design começaram a ter cortes e as empresas começaram a procurar esses trabalhos nas escolas, a custo zero, encapotado de que eram óptimas oportunidades para os jovens estudantes”. A Agência Escola nasceu para dar resposta a estas necessidades e oportunidades aos alunos. É um laboratório de comunicação que produz um cenário de projecto em contexto de agência, uma plataforma de ligação entre a escola e o mercado. Assim, dez alunos de cada vez têm a oportunidade de ali estagiarem. Mas aqui “não se aplicam as regras do mercado: não há cheques, há bolsas de estudo ou estágios remunerados para os alunos. Não queremos ser concorrência, queremos que os alunos ganhem experiência”, afiança Catarina Lisboa.

Actualmente no segundo ano do mestrado em Design e Cultura Visual, José Maria D’Orey Branco, que nunca teve dúvidas que queria estudar Design no IADE, já conta no seu currículo com uma passagem pela Agência Escola e garante que isso lhe abriu “horizontes para trabalhar” e lhe deu “mais experiência”.

O ano do design português

Com 45 anos de vida, e com o país a assinalar o Ano do Design Português (que durará até Maio de 2015), o IADE aposta num crescimento das áreas que lecciona – fundamentado pela alta empregabilidade. E também acredita que cada vez serão mais os portugueses ligados ao design e à publicidade a receberem reconhecimento. Isto apesar de o design não ser “uma área que crie nomes famosos. Ninguém sabe quem desenhou a garrafa de água, é um trabalho anónimo”, afirma Carlos Duarte.

Ainda assim, alguns ex-alunos do IADE vão dando nas vistas, como Hugo Silva e a sua colaboração com a Nike, Inês Caleiro e a sua marca Guava, Ricardo Santos e o ‘óscar’ do design para melhor capa com a revista Racer, Jorge Coelho enquanto director da Ogilvy, Carlos Coelho da Ivity, ou a designer de moda Isilda Pelicano. Esta última, aliás, depois de ter tido um ateliê durante muitos anos e ter assinado, por exemplo, as fardas da Expo’98, do Euro 2004 e do Euro 2008, recebeu, em 2011, o Prémio Carreira IADE, instituição onde frequentou o primeiro curso de Design de Moda. E diz ter mudado a sua vida. Talvez por isso nunca tenha perdido a ligação: “Sempre que consigo envolver e interessar o IADE em projectos meus fico muito feliz”. Foi justamente o que aconteceu com o seu último desafio, a Jans Concept, que visa a criação de peças, têxteis, em cerâmica e em cortiça, de design contemporâneo com raiz artesanal. “Com o protocolo que estabelecemos com o IADE e com o Museu do Bordado e do Barro de Nisa, pretendemos fomentar a aproximação entre a comunidade local e jovens designers, sob a minha direcção criativa, visando um diálogo criativo entre as artesãs locais, uma escola de referência na área do design e o museu enquanto símbolo de um saber ancestral”. 

raquel.carrilho@sol.pt