"Tinha os pés no chão, calções e tronco nu e e, enquanto eu o filmava com o telefone, olhava para mim, confiante, como se soubesse bem quem era. E eu olhava para ele através da câmara e sentia-me aterrorizado porque ele parecia mais seguro do que eu. Parei de filmar, pedi-lhe desculpa. Ele sorriu, pegou no telemóvel dele e começou a filmar-me", disse Khan ao SOL.
Até esta viagem, o coreógrafo só visitava o Bangladesh em férias, casamentos ou funerais. Mas Khan quis conhecer o país dos pais. Depois de os primeiros dias de viagem se revelarem frustrantes, por sentir que não passava de um estrangeiro, o encontro com o rapaz pô-lo no caminho certo para descobrir as suas origens.
A identidade, aliás, é sempre central no trabalho de Akram Khan. Mas aqui ganha contornos pessoais. DESH é uma malha de memórias que se desfia em palco. Filho de um casal do Bangladesh, Khan, que cresceu em Londres, quis regressar às memórias do pai, de um país e uma geração longínquos no tempo e no espaço.
E o coreógrafo, que na adolescência recusava essas origens, afirmando-se londrino, fez essa viagem – real e coreográfica – para entender um país cuja história está marcada por lutas e assim perceber as cicatrizes que a guerra deixou nos seus pais. DESH – que em bengali significa 'país natal' – é íntimo mas abrupto; grandioso mas circunscrito; frágil mas agressivo. Sozinho em palco, Akram Khan ultrapassa os seus fantasmas, confronta-se com o mais íntimo de si e leva-nos numa viagem perturbadora.
Foi aos sete anos que a mãe, na ânsia de preservar no filho as origens do Bangladesh, começou a ensinar-lhe kathak, uma dança tradicional. Khan estava longe de imaginar que a sua vida passaria pelos palcos. Mas foi percebendo que a dança era "a única coisa" que o fazia feliz.
Pressionado pelos pais para prosseguir os estudos decidiu estudar Dança Contemporânea na Montfort University. Em 2000 criou a Akram Khan Company, cuja primeira criação foi Kaash, em colaboração com Anish Kapoor e Nitin Sawhney. Depois fez, entre outros, Zero Degrees com Sidi Larbi Cherkaoui, Sacred Monsters com Sylvie Guillem e In-I com Juliette Binoche.
E, nos últimos três anos, Akram Khan fez mais de cem exibições de DESH, passando por 22 países. Uma digressão que termina agora em Lisboa e que lhe valeu títulos como 'o rei da dança contemporânea'.