Em Lisboa, o actor recebeu uma medalha do presidente da Câmara e inaugurou a exposição de fotografia de Sandro Miller Malkovich Malkovich Malkovich, onde encarna diversas figuras icónicas da cultura e das artes, de Marilyn a Che Guevara ou Einstein. Curiosamente, também em Variações de Casanova o actor se desdobra em diferentes contextos: a encenação de uma ópera no São Carlos, os bastidores, o making of ou as recordações de Casanova. Tratar-se-á de várias personagens ou apenas de diferentes facetas da mesma pessoa?
Vem com frequência a Lisboa. A cidade já é uma espécie de segunda casa para si?
Gosto muito de estar cá, Lisboa é uma cidade muito bonita. Como trabalho e viajo muito, digamos que tenho menos tempo para visitar Lisboa. Mas é sempre para mim um prazer voltar. Aliás, venho sempre que posso.
Neste caso teve até a oportunidade de trabalhar em Lisboa, durante a rodagem de Variações de Casanova no teatro São Carlos, nesta nova colaboração com Paulo Branco.
Sim, foi óptimo poder fazer esta combinação entre teatro e ópera. Por acaso o Paulo Branco viu uma das minhas representações em Londres e sugeriu fazer uma adaptação para cinema. Mas o próprio Sturminger [encenador da peça e realizador do filme] adora cinema, já tinha frequentado uma escola de cinema e realizado filmes, por isso sentiu-se motivado pela ideia de fazer o filme. Senti que seria difícil imaginar um filme, mas acabou por funcionar muito bem, acho eu. E foi fascinante poder fazer ambas as personagens, no palco e nos bastidores.
O filme tem uma estrutura bastante complexa, misturando diversos pontos de vista, ópera, a plateia, os bastidores, o making of e ainda a ficção do próprio Casanova. Como é que geriu as várias dimensões da sua personagem?
O filme é basicamente o encontro de Casanova com uma mulher no final do século XVIII, e perceber que tipo de relação tiveram os dois. Mas há um segundo filme no seu interior, que tem a ver com esse século do amor. É nessa altura que vemos as grandes paixões do Casanova, que são necessariamente operáticas e barrocas. Depois temos uma segunda janela, mas ainda dentro do palco. O Michael escreveu bem esse trecho porque é uma forma de dizer que existe uma imagem do Casanova que pode ser ou não correcta, tal como existe uma imagem que as pessoas têm de mim que pode ser ou não correcta.
E estamos sempre a falar de uma personagem, a personagem John Malkovich.
Sim, porque se somos conhecidos, somos uma personagem nos nossos próprios filmes.
Ainda bem que fala nisso, pois há um momento hilariante em que a Maria João Bastos pergunta ao actor John Malkovich: 'É verdade que dizem que é gay?'. Foi algo escrito pelo próprio John Malkovich?
Não, não fui eu que a escrevi. Mas não tive qualquer objecção. Aliás, hoje em dia há muito poucas coisas que eu objecte. Apenas achei que era uma frase muito divertida. Claro que não é a primeira vez que essa questão me é dirigida – e duvido que seja a última. Não sou gay, mas não que isso tenha algum significado para mim. As coisas que o público pensa não podemos alterar. Que digam o que quiserem e pensem o que quiserem. Que vivam essa vida de fantasia. Por mim está tudo bem.
Digamos que até no seu dia-a-dia será mais uma personagem do que o próprio John Malkovich? No sentido de que lida constantemente com as pessoas que lhe querem tirar uma foto, como aquele indivíduo que o queria fotografar ainda há pouco?
Sim, claro. Eu lido constantemente com isso e tenho de me proteger. Não que tenha qualquer problema em tirar a tal foto, mas ele é apenas um em várias centenas de pessoas que encontrarei durante o dia.
Sente que isso é um lado mau da fama?
Claro. Porque estas pessoas não querem saber se estou num funeral ou a jantar; eles querem apenas a sua foto e querem-na agora. Neste momento já tenho algum prazer em dizer que não. É para isso que me pagam. Ainda que tirem a foto, como fez aquele ao tirar a fotografia de longe, mesmo depois de eu lhe ter dito que não. Só que a minha vida não é isso, é o trabalho, os meus amigos.
Tem alguma regra de vida que siga?
Talvez tentar tratar bem as pessoas que me rodeiam, ser um bom camarada no trabalho. Tentar cuidar dos amigos e da família. O resto é fazer as coisas que me interessam.
Sente que a profissão de encarnar a pele de outros acaba por ser uma espécie de sonho?
Acho que sim, mas não sei se foi um sonho. Acho que foi um período no tempo em que se proporcionou. No entanto, acho que se tivesse agora 70 em vez de 60 teria gozado mais a minha profissão.
Diz isso porque sente que gostaria de ter vivido noutro tempo?
Não é isso que quero dizer. Apenas que gostaria de ter começado a fazer filmes mais cedo. Quando comecei tinha quase trinta anos. Se tivesse começado dez anos antes teria vivido mais esse sonho de que fala. Mas sinto que trabalhei numa época de ouro. Hoje já não tenho bem a certeza de ser assim, porque mesmo nos melhores guiões nem sempre somos pagos. Até pode haver um bom guião de Hollywood em que seremos pagos, mas não é frequente.
Participou na comédia de acção RED, inspirada numa série de banda desenhada. Foi algo que gostou de fazer?
Claro que é divertido. Tanto o RED 1 como o 2 são hilariantes. Adoro o grupo e os realizadores. O que não há para não gostar? A Mary-Louise [Parker] é hilariante, a Helen [Mirren], o Morgan Freeman… Mas não se fazem filmes desses todos os dias. E não sei se ainda teremos os filmes de arte europeus, como este, daqui a dez anos… Não tenho a certeza. Pelo menos, o lado económico não parece funcionar assim.
Disse que começou tarde a carreira. Por que foi assim e por que decidiu enveredar pela representação? Deveu-se a um acaso?
Tudo na minha vida aconteceu por acaso, seguramente nada foi por um qualquer desígnio. Depois de ter mudado de universidade conheci vários colegas que estavam a começar a fazer teatro e pediram-me para ir com eles. E foi assim que me juntei ao grupo Steppenwolf. Foi depois de levarmos a Nova Iorque a peça True West que algo me impeliu para continuar. Mas nunca até aí tinha sido um objectivo de vida. Nessa altura eu nem sequer era cinéfilo, tinha o mesmo interesse por cinema que o comum dos mortais. Só quando comecei a fazer cinema de forma profissional é que comecei a interessar-me mais a sério. Isso é algo muito típico em mim. Sou capaz de me sentir atraído por alguma coisa, mas só depois perceber por que senti essa atracção.
Ou seja, é algo que vai descobrindo pelo caminho…
Sim, isso foi verdade no cinema, no teatro, na ópera, em quase tudo o que faço. Portanto fazer cinema foi completamente fruto do acaso.
Talvez fruto do acaso, mas Ligações Perigosas [1988], O Libertino [2004] e agora As Variações de Casanova acabam por ter uma ligação com este sedutor que tão bem interpreta. Como encara estas personagens e o que foi mudando pelo caminho?
O tempo é um ditador. De forma estranha acabo por representar três dos mais famosos libertinos. Casanova, que foi uma pessoa verdadeira, Valmont não. E o Lord Rochester. Mas acabam por ser todos muito diferentes. O Valmont é um estratega frio, mas também cobarde e pouco inteligente. O Lord Rochester era brilhante e bêbado. Na minha opinião, o Casanova é diferente. Não o vejo como um sedutor. Neste filme ele tem 73 anos, está no final da vida e desesperado por companhia.
Ainda à procura do amor?
Sim, ainda à procura do amor e de ser amado. A parte da sedução é apenas representada pela ópera, não pela realidade. Vejo o Casanova com olhos diferentes. Para mim, o Casanova foi aquele que ficou sempre com o coração despedaçado, aquele que muitas vezes perdeu o que queria. Apesar de não contarmos essas histórias, a minha performance tenta incluí-las. No fundo, ele não é aquela pessoa que muita gente julga conhecer.
Tal como Casanova diz no fim, é apenas o amor que importa?
Talvez sim. A família também. Até porque a família tem de ser amada, senão não funciona. Há outras coisa que vêm com o amor que importam também, como a partilha e a necessidade de compromisso.
Os seus filhos acompanham a sua carreira de perto?
Não muito. Acho que se fartaram cedo de ter um pai que estava sempre a fazer filmes ou peças de teatro. Mas isso foi há anos. Podem ver alguma peça em que tenha participado, mas interessam-se menos pelos filmes. Por acaso gostaram de Juno (2007), um filme que produzi. Chegaram a ligar-me para dizer que tinham gostado. Há cerca de três anos juntámo-nos todos em Paris numas férias e falámos bastante sobre teatro.
Voltando ao tema do amor: é um sentimento que partilha com a cidade de Lisboa? O que ama nesta cidade?
É difícil de explicar. Amei esta cidade desde a primeira vez que cá vim. As cores, a variedade, o facto de estar em sete colinas. Tudo isso dá-lhe uma estranha sensualidade e poesia. Gosto também do seu lado mais decadente, dos prédios mal cuidados. Agora muito melhor, porque há vinte anos havia muitos mais prédios a cair. Mas as coisas têm mudado desde então.
Quando está na cidade costuma ir ao Lux, que pertence ao seu sócio e amigo Manuel Reis?
Confesso que raramente vou, mas sei que é um clube muito na moda. Ainda bem.
E o seu português tem evoluído ao longo dos tempos?
Não, para isso teria mesmo de viver aqui. E de estudar.
Acha que poderá vir a passar aqui a sua reforma?
É possível. Diria mesmo muito possível. É algo que tenho equacionado. Mais vale tarde do que nunca…