Tudo começou em finais de Outubro, quando a filha de cinco anos de Rui Pinheiro, um engenheiro informático, lhe pediu para assistirem juntos aos desenhos animados no canal Disney Junior. Um pedido simples, mas para ele, que é surdo, se revelou difícil, por falta de legendas nos programas.
"Apercebi-me de que os desenhos animados que ela estava a ver não tinham legendas. Como é hábito, sendo surdo, não vou ficar sentado a ver uma coisa que não percebo e então comecei a afastar-me", conta Rui Pinheiro à agência Lusa.
A menina fez "uma cara triste" e perguntou ao pai porque não se sentava junto dela e foi nessa altura que Rui percebeu a importância daqueles momentos para a filha.
"Aquilo mexeu comigo e decidi colocar um 'post'[mensagem] no Facebook da Disney Portugal" a pedir que legendassem os programas.
Rui Pinheiro defende que a falta de legendas "exclui milhares de crianças surdas" e dificulta o trabalho de outros tantos milhares de pais surdos que têm crianças ouvintes.
Após a mensagem, o assunto tornou-se viral: "Nem pensei que fossem dar alguma atenção, é daquelas coisas que uma pessoa faz quando não lhe ocorre mais nada e acaba por ser a pedrada no charco que gera o tsunami".
"As pessoas concordavam com o que escrevi, comentavam a sua própria experiência e necessidade de legendas, partilhavam o post, convidavam os 'amigos' a fazerem 'like'" e até fizeram vídeos de apoio", disse.
A própria Disney respondeu na sua página no Facebook, afirmando que está empenhada "ao máximo" nesta questão "que é transversal" não só à sua comunidade de fãs, como a toda a sociedade.
Contactada pela Lusa, a Disney Portugal disse que esta questão "está a ser verificada internamente".
Perante a onda de apoio, Rui Pinheiro assume agora esta questão como "uma missão" e desafiou várias entidades a apoiarem esta causa, que considera não poder ser tratada "por um mero pai que um dia se chateou e meteu um 'post' no mural de um canal".
O Instituto Nacional para a Reabilitação, que supervisiona as políticas para a deficiência, numa resposta enviada a Rui Pinheiro, disponibilizou a sua colaboração para "a melhor concretização deste pedido".
Lembrou ainda que no Plano Plurianual da Entidade Reguladora para a Comunicação Social consta um conjunto de obrigações das emissões inclusivas do serviço público e das televisões privadas, nomeadamente "extensão a legendagem para pessoas com deficiência auditiva a todos os programas dobrados para língua portuguesa".
Várias instituições, entre as quais a Associação Portuguesa de Surdos (APS) e a Federação Portuguesa de Associações de Surdos (FPAS), responderam também ao desafio de Rui Pinheiro.
"Temos acompanhado e apoiado integralmente a causa deste pai", porque é uma necessidade partilhada por "todos os pais surdos e crianças surdas que já sabem ler", diz Mariana Martins, da APS.
A responsável adianta que esta situação se alarga a todos os programas infantis, incluindo os dos canais nacionais, em que "a tendência é serem dobrados".
Contudo, reconhece, as televisões nacionais têm apostado cada vez mais na interpretação em Língua Gestual Portuguesa (LGP), o que para a comunidade surda é preferível.
O presidente da FPAS, Pedro Costa, também reconhece que tem aumentado a preocupação das televisões com esta questão, dando como exemplo a RTP, mas defende que a interpretação em LGP e a legendagem deviam ser aplicadas em toda a programação.
Nos programas infantis, Pedro Costa considera que é muito importante, "não só pelas crianças surdas, mas também pelas crianças ouvintes", porque pode ser "um método importante" para desenvolveram as suas capacidades de leitura.
Lusa/SOL