É a Cultura, estúpido!

Num debate intitulado ‘A Rússia no Contexto Global’, que decorreu no passado dia 1 de Dezembro na New York University, Nicolai S. Petro, um académico, historiador e diplomata especialista na Rússia e antiga União Soviética, declarou, na sua apresentação: “O conflito na Ucrânia é entre comunidades ‘nacionais’ que têm diferentes ideias sobre o que significa…

Em seguida o Prof. Petro explica que para os ucranianos do Oeste, das regiões da Galícia, é necessário suprimir a cultura russa, para que a cultura ucraniana se possa afirmar; para as regiões da Ucrânia meridional e oriental, russófonas, ser ucraniano significa não ser russo, mas no caso da uma escolha forçada entre a ligação ou aliança com a Rússia ou com a União Europeia e a NATO, eles escolhem a Rússia. Para estes ucranianos 'russófonos', os acontecimentos de Fevereiro, que levaram à queda do Presidente Ianukovich, foram o fulcro de uma conspiração apoiada pelo Ocidente. Já não falando da Crimeia, onde, efectivamente a ligação à Rússia é mais intensa.
 
Deixando a problemática concreta da Ucrânia, este debate pode e deve estender-se a tantas outras questões conflituais, na Europa ou nos demais continentes. A obsessão 'economicista', partilhada por esquerdas e direitas contemporâneas, por marxistas e por capitalistas, por socialistas e por liberais, arrastou uma espécie de fobia não só à política, como também à importância da História e da Cultura, como elementos fundamentais das mentalidades dos homens e dos povos.
 
Os analfabetos funcionais que constituem uma percentagem choruda das classes político-partidárias nacionais – e até europeias – e vastos sectores do jornalismo e do empresariado, são responsáveis por esta 'douta ignorância' que, focando sistematicamente na economia e nos seus factores variáveis – capital, trabalho, recursos, moeda, taxas de juro, regime fiscal – o cerne único ou pelo menos dominante do que fazem, esquecem esses elementos decisivos do espírito humano que são a cultura, a forma mentis, as paixões colectivas, os valores civilizacionais. Ou a sua negação.
 
O que é que leva à constituição e erupção em força de um 'Estado Islâmico' entre Estados médio-orientais e à custa deles? O que é que altera crucialmente o panorama político da Europa Ocidental, com o nacionalismo identitário dos partidos populistas da Grã-Bretanha e da França? O que leva ao choque do mais populoso país de África, a Nigéria, entre muçulmanos e cristãos? O que é que movimenta uma série de Estados europeus, províncias e regiões a quererem um Estatuto de diferença ou até de independência? Porque é que os catalães, os bascos, os escoceses, ou parte deles, estão dispostos a prejudicar-se 'economicamente', os curdos ou os xiitas iraquianos, os mexicanos de Chiapas a guerrear o poder central, os chechenos na Rússia ou os tuaregues no Mali?

As 'guerras culturais' voltaram e vão ser determinantes nos próximos anos deste século. Até cá.